A conversa começa com o clássico “o problema não é você, sou eu”, e é claro que é, não estou nesse divã à tôa e nem ela me escuta de graça, e o tempo, o nosso, é caro demais pra que eu fique olhando pra ponta do sapato e dizendo que eu queria ser instrumento pra fazer música ou talvez Capitu, ou vento perdido sem rumo no meio dos cabelos dele pra sempre, ou pingo de chuva pra cair grosso da árvore e escorrer pelo rosto de uma amiga bem quando ela soltar uma gargalhada e inflar as bochechas.
Ela acha lindo, e diz que isso daria um texto, e elogia minha capacidade narrativa e repete as mesmas frases da última sessão, quando ela também achou que outro monólogo qualquer dava pra virar post de blog, e desde que eu resolvi dizer a ela que gosto de escrever ela pergunta “você já escreveu sobre isso?” “você tem um texto sobre isso?” e por aí vai. Nessas horas eu fico na dúvida se ela é psicóloga ou editora, então descruzo as pernas, miro na caneca com a cara do Van Gogh e começo outra ladainha sobre as mesmas coisas, sempre sempre sempre os mesmos nomes, os mesmos gestos, os mesmos ódios, desde quando eu aprendi a repetir o refrão assim?
Me dou conta de que ela também repete, indagações que se empilham iguais umas sobre as outras, eu rebato religiosamente com as mesmas respostas e agora já não sei mais se sou ou ela, o ovo ou a galinha, só sei que a última sessão foi igual à penúltima, que foi igual à antepenúltima e etc, parece que estamos decorando uma fala ou roteiro que não, eu não escrevi.
Preencho o horário explicando, pela terceira ou quarta vez, porque gosto tanto da Madonna (porque ela não se repete, digo em algum momento, com cara de Flora), quase começo a cantar e dançar, aí sim haveria uma grande emoção. Mas é muito arriscado, dou um sorriso, feliz natal pra você também, ano que vem a gente se vê, será?
Acabo voltando, essa falta de coragem e de ação que tanto discutimos, e escarafunchamos todos os medos, sempre ali enfileirados para serem diagnosticados e catalogados, então nos referimos a eles por nomes quase científicos, ela mexe na luminária pra ter certeza de que eu estou chorando (ou quase), eu limpo os óculos e digo "pois é", penso em "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" e lá vamos nós, sabe? pois é, eu mesma não sei mais.
Já não garanto nada. Não garanto que eu volte, não garanto que haja sol em janeiro, não afirmo que vou seguir em frente e esquecer, não afirmo que dessa vez aprendi a dizer não e me desligar das pessoas, ela sabe que demorei muito mais tempo pra sair da fisioterapia do que eu deveria, talvez ela saiba que penso em larga-la, talvez ela tenha percebido quando respondi mais rispidamente, ou quando mudei de assunto pra não falar de suicídios ou de vontades de: andar de bicicleta, comer pudim, suar, consertar os olhos, conhecer o Peru.
Me repito tanto, e ela também, dá uma confusão de saber se é porque preciso continuar, ou se já passou do horário de botar a mochila nas costas e ir por aí, deixar de teorizar as coisas.
Vou dizer a ela que escrevi sobre isso, que deu um texto de adeus, que peguei a sapatilha já meio gasta e entrei na sala de aula, fiz um coque caprichado e resolvi os meus problemas na aula de ballet, sentindo que os músculos das pernas ainda funcionam, que a coluna aguenta e que os braços continuam leves, as mãos graciosas.
Feliz ano novo.
:: "It's only a trick if you make it a trick and you're wondering how to get yourself out of this one" Jamie Lidell in Green Light
sábado, dezembro 20, 2008
quarta-feira, dezembro 10, 2008
Bipolar
Eu sei que às vezes (muitas) esse blog fica pessoal demais, e que algumas perguntas são recorrentes. Pior: são mais perguntas a cada post, a maioria delas julietanas ao extremo.
Enfim. Existem coisas que me consomem de tal forma que não posso deixar passar, e a luz da esperança se acende quando penso que possíveis resoluções podem vir de eventuais comentários. Eu sou do tipo que acredita em letras de música, por que não em leitores virtuais?
Esse é mais um caso que me aflige, daqueles em que a ambigüidade dos fatos gera sentimentos inconciliáveis, de maneira que preciso de ajuda (psiquiátrica, talvez): como faz pra conciliar a morte do Gonçalo na novela com show da Madonna no dia seguinte?!
Enfim. Existem coisas que me consomem de tal forma que não posso deixar passar, e a luz da esperança se acende quando penso que possíveis resoluções podem vir de eventuais comentários. Eu sou do tipo que acredita em letras de música, por que não em leitores virtuais?
Esse é mais um caso que me aflige, daqueles em que a ambigüidade dos fatos gera sentimentos inconciliáveis, de maneira que preciso de ajuda (psiquiátrica, talvez): como faz pra conciliar a morte do Gonçalo na novela com show da Madonna no dia seguinte?!
quinta-feira, dezembro 04, 2008
The "Vizinho Issue" - parte III
(ou "A vingança é um prato que se come frio")
Aqui na rua é assim: o seu carro que estava estacionado na calçada oposta ao prédio some à tarde depois que o reboque passa e nenhum dos porteiros avisa, afinal por que tocar em assuntos desagradáveis como esse, não é mesmo?
Então a pessoa sai do prédio, chave do carro na mão e nada, uma vaga vazia, uma interrogação na cabeça e muita confusão, até que começa a se perguntar:
1) Será que estacionei na garagem?
2) Será que eu estava bêbada ontem quando cheguei?
3) Será que eu continuo bêbada?
4) Será que roubaram?
5) Será que o carro perdeu o freio e desceu ladeira abaixo?
Então, cinco minutos depois, quando você pergunta pro porteiro se ele viu o seu carro por aí, ele responde, baianamente:
Ele tava aí de manhã, eu acho que o reboque deve ter levado ele porque agora não tá mais...
Ele pensa que eu sou trouxa, mas de uma coisa tenho certeza: a culpa é do vizinho.
Aqui na rua é assim: o seu carro que estava estacionado na calçada oposta ao prédio some à tarde depois que o reboque passa e nenhum dos porteiros avisa, afinal por que tocar em assuntos desagradáveis como esse, não é mesmo?
Então a pessoa sai do prédio, chave do carro na mão e nada, uma vaga vazia, uma interrogação na cabeça e muita confusão, até que começa a se perguntar:
1) Será que estacionei na garagem?
2) Será que eu estava bêbada ontem quando cheguei?
3) Será que eu continuo bêbada?
4) Será que roubaram?
5) Será que o carro perdeu o freio e desceu ladeira abaixo?
Então, cinco minutos depois, quando você pergunta pro porteiro se ele viu o seu carro por aí, ele responde, baianamente:
Ele tava aí de manhã, eu acho que o reboque deve ter levado ele porque agora não tá mais...
Ele pensa que eu sou trouxa, mas de uma coisa tenho certeza: a culpa é do vizinho.
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