sábado, dezembro 20, 2008

Keep me in mind

A conversa começa com o clássico “o problema não é você, sou eu”, e é claro que é, não estou nesse divã à tôa e nem ela me escuta de graça, e o tempo, o nosso, é caro demais pra que eu fique olhando pra ponta do sapato e dizendo que eu queria ser instrumento pra fazer música ou talvez Capitu, ou vento perdido sem rumo no meio dos cabelos dele pra sempre, ou pingo de chuva pra cair grosso da árvore e escorrer pelo rosto de uma amiga bem quando ela soltar uma gargalhada e inflar as bochechas.

Ela acha lindo, e diz que isso daria um texto, e elogia minha capacidade narrativa e repete as mesmas frases da última sessão, quando ela também achou que outro monólogo qualquer dava pra virar post de blog, e desde que eu resolvi dizer a ela que gosto de escrever ela pergunta “você já escreveu sobre isso?” “você tem um texto sobre isso?” e por aí vai. Nessas horas eu fico na dúvida se ela é psicóloga ou editora, então descruzo as pernas, miro na caneca com a cara do Van Gogh e começo outra ladainha sobre as mesmas coisas, sempre sempre sempre os mesmos nomes, os mesmos gestos, os mesmos ódios, desde quando eu aprendi a repetir o refrão assim?

Me dou conta de que ela também repete, indagações que se empilham iguais umas sobre as outras, eu rebato religiosamente com as mesmas respostas e agora já não sei mais se sou ou ela, o ovo ou a galinha, só sei que a última sessão foi igual à penúltima, que foi igual à antepenúltima e etc, parece que estamos decorando uma fala ou roteiro que não, eu não escrevi.

Preencho o horário explicando, pela terceira ou quarta vez, porque gosto tanto da Madonna (porque ela não se repete, digo em algum momento, com cara de Flora), quase começo a cantar e dançar, aí sim haveria uma grande emoção. Mas é muito arriscado, dou um sorriso, feliz natal pra você também, ano que vem a gente se vê, será?

Acabo voltando, essa falta de coragem e de ação que tanto discutimos, e escarafunchamos todos os medos, sempre ali enfileirados para serem diagnosticados e catalogados, então nos referimos a eles por nomes quase científicos, ela mexe na luminária pra ter certeza de que eu estou chorando (ou quase), eu limpo os óculos e digo "pois é", penso em "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" e lá vamos nós, sabe? pois é, eu mesma não sei mais.

Já não garanto nada. Não garanto que eu volte, não garanto que haja sol em janeiro, não afirmo que vou seguir em frente e esquecer, não afirmo que dessa vez aprendi a dizer não e me desligar das pessoas, ela sabe que demorei muito mais tempo pra sair da fisioterapia do que eu deveria, talvez ela saiba que penso em larga-la, talvez ela tenha percebido quando respondi mais rispidamente, ou quando mudei de assunto pra não falar de suicídios ou de vontades de: andar de bicicleta, comer pudim, suar, consertar os olhos, conhecer o Peru.

Me repito tanto, e ela também, dá uma confusão de saber se é porque preciso continuar, ou se já passou do horário de botar a mochila nas costas e ir por aí, deixar de teorizar as coisas.

Vou dizer a ela que escrevi sobre isso, que deu um texto de adeus, que peguei a sapatilha já meio gasta e entrei na sala de aula, fiz um coque caprichado e resolvi os meus problemas na aula de ballet, sentindo que os músculos das pernas ainda funcionam, que a coluna aguenta e que os braços continuam leves, as mãos graciosas.

Feliz ano novo.


:: "It's only a trick if you make it a trick and you're wondering how to get yourself out of this one" Jamie Lidell in Green Light

3 comentários:

Anônimo disse...

Julia! Nossa, achei uma foto super antiga da turma do Santo Agostinho no orkut de alguém e cheguei até você. Fomos colegas lá pela 2a ou 3a série, não sei se você vai lembrar! Li váarios posts desse blog e adorei! Parabéns! Vou virar leitora freqüente.
Beijo

bruna disse...

Peru? Keep me in mind.

Paula disse...

Aconteceu o mesmo comigo dezembro passado. Peguei a mochila e fiz uma viagem maravilhosa esse ano. E te digo mais - o ballet resolve muita coisa!