segunda-feira, janeiro 18, 2010

Aprender a ser só

O banheiro, outrora abrigo constante de borboletas, hospeda agora gordos mosquitos que não saem de lá nem às custas de SBP, e em algum lugar do quarto, provavelmente atrás de todas as coisas empilhadas, eles fazem casa também: minhas pernas indicam que ando pela selva. E não pode ser coincidência que o autor do livro que agora leio seja a) escritor de um personagem que é igualmente devorado por mosquitos, b) filho da Sophia de Mello Breyner Andresen, c) português, d) narrador de solidões.

Sei que parece impossível sentir solidão com tantas picadas de mosquito, e que é incongruente isso em janeiro, inexplicável, até. Mas sim, me acomete às vezes sentir uma que parece pior que todas as outras, que dá junto com uma saudade desconjuntada de pertencer a algumas vidas que me deixaram de lado, que vem junto com o balanço de mar em praia lotada, que me angustia tanto quanto boiar sem óculos e, portanto, sem saber ao certo a distância das ondas que a qualquer momento podem me engolir.

E são tantas as solidões que me aparecem, não só as minhas, mas as de pessoas que eu pensei que pudesse consolar, as de gente que eu achava que sabia ouvir, as de amigos que eu jurava que se soubessem acolhidos por aqui, e as de finais tão fortemente anunciados que só podiam ser mentira, e que não eram, e ai que dor.

Solidão de filme de ficção, de capa de revista semanal, das manchetes, das missas, de mais de quinhentas páginas na mesinha de cabeceira, de acordes e ritmos lentos que se demoram mais que o sol, e uma certeza de ser tão só que escorrem lágrimas genuínas de pequenos roxos que se acumulam nos joelhos.

Logo passa. É verão e já se fala em carnaval, já se pensa em fantasia e nas irresponsabilidades consentidas, nos disfarces e máscaras necessários, nas serpentinas e alegrias já tão treinadas que aplacam chororô, pelo menos até a quarta-feira de cinzas. Até lá, aumentar a lista de resoluções de ano-novo: 1) evitar as pancadas no box do chuveiro, 2) entender o final das coisas, 3) tomar complexo B ou mudar a marca do spray repelente, 4) jamais entrar no mar desacompanhada.

3 comentários:

carol salomão disse...

Qual livro do filho da Sophia você tá lendo?
Li em algum lugar que ele é um pouco controverso. Tá achando?

Bruno Quintella disse...

"E são tantas as solidões que me aparecem, não só as minhas, mas as de pessoas que eu pensei que pudesse consolar, as de gente que eu achava que sabia ouvir, as de amigos que eu jurava que se soubessem acolhidos por aqui, e as de finais tão fortemente anunciados que só podiam ser mentira, e que não eram, e ai que dor."

Valiosíssimo. Solitário, mesmo que cercado de outros parágrafos.

beijo

bruna disse...

jamais entrar no mar desacompanhada. Tá, às vezes pode entrar, mas quando brincamos nas ondas é mais legal.