terça-feira, fevereiro 23, 2010

Reveillon

De repente você não consegue mais lembrar porque foi parar no meio daquele fim de semana em Búzios, qual era o nome da praia onde você descobriu que precisava assistir a todos os filmes do Kubrick e nem em que quarto dormiu, se com um ou com outro, ou se sozinha enrolada num lençol fininho e sem dar qualquer espirro. De repente você tem uma saudade torturante do apartamento onde as coisas permaneciam secas, de dividir o banheiro, de subir a escada de mansinho pra se largar frente à TV. De repente você fecha os olhos e consegue catalogar todos os sorrisos que ele sorriu ao longo de dez anos, desde a escuridão de uma boate onde você parecia uma punk até o bloco de carnaval mais recente, passando por todos os seus sonhos e por todas as cenas que nunca aconteceram. De repente o que você mais deseja é que as coisas possam ser um pouquinho parecidas com o que já foram um dia: quando não havia abridor de vinho num apartamento onde a TV era a pior do mundo, quando eu era a única pessoa que não tinha idéia do que era um plano-sequência, quando eu disfarçava paixão, quando eu era mais parecida com o que eu achava que seria em algum futuro.

De repente o Paul McCartney parece ser o único sujeito confiável do mundo e só o que faz sentido são caixas empilhadas de tylenol sinus sendo consumidas diariamente ao volume ensurdecedor de silly love songs.

Você se assusta ao encontrar vaga-lumes e entra em Cosmococas aguardando acontecimentos ou revelações, controla ansiedade tirando fotos em câmeras antigas de filmes, chora dias a fio olhando pros quadros que pintou na infância, compara a venda da casa de campo com a morte da goiabeira, desmarca o dentista com medo de que morra sufocada por causa da sinusite e pensa que tudo, tudo mesmo, pessoas, memória, lugares e ideias estão acabando rápido demais, e até dor de cotovelo tem aparecido menos, ou incomodado menos, ou talvez seja só uma questão de aprender a ignorar mais: os dias de sol, os chamados dele, o fato de que já compuseram músicas novas desde 1976, a superexposição, o amor.

Você se sente meio idiota porque nunca consegue preencher o pedido de visto pros EUA, sonha que está em NY comprando todos os livros do Avedon sem se importar com o peso: da mala, da moeda, da obsessão, e isso é o que existe em comum entre viagens e sonhos.

De repente você confessa ciúmes e descrenças com a mesma facilidade, planeja se mudar pra fora do país, dá palpites em roteiros alheios, lê biografias em francês e fica tão completamente só nadando crawl na piscina, e quando se dá conta já é quarta-feira de cinzas e o ano, parece, começou. De repente você entende que precisa começar também.

2 comentários:

bruna disse...

Confio no nosso mergulho do primeiro dia útil do ano para trazer sorte. E "dia útil" nunca teve tanto sentido.

Anônimo disse...

Lindo!