domingo, setembro 28, 2014

NY - vol. 3


Tenho feito tentativas estúpidas de frequentar festas sem você. Mesmo que as músicas às vezes sejam as minhas, as danças nunca são as nossas. Sábado terminei o livro, faltei compromissos, distribuí desculpas para lá e para cá, e parte da noite delirei com 3 músicas no repeat e um componente ilícito. Domingo não tem erro: leio poesia na rede, penso em ficar para dormir, mas tem toda a problemática do meu café-da-manhã homeopaticamente correto e já penso em te comprar uma centrífuga de presente.


sexta-feira, setembro 26, 2014

NY - vol. 2

"Retrospectivamente, é inacreditável: quando Michel me anuncia que passará dois meses fora de Paris no verão e me pergunta se quero ficar em seu apartamento durante esse tempo - e apresenta a proposta como sendo uma ajuda minha, as plantas da varanda precisam ser regadas todos os dias -, aceito sem pestanejar. No entanto, novidade desse tipo não faz meu gênero. Tenho a impressão de que o apartamento já vive em mim. Ele é dos mais espaçosos, dos mais luxuosos, não há melhor. Morar ali é morar na própria juventude."


Comecei a ler o Mathieu Lindon e queria que leitura fosse algo que se pudesse fazer a dois ou a muitos, como uma sessão de cinema. O Michel a que ele se refere é o Foucault, que em algum ponto da história pouco se importa por todas as plantas terem morrido. Não se preocupe, eu jamais faria isso. 

quinta-feira, setembro 25, 2014

NY - vol. 1

Verdade seja dita, é tanta ida e vinda que eu já nem sei mais onde você está, quando volta, se a diarista vai aparecer, se devo repor as laranjas que bebi, se tudo bem deixar os papeis espalhados pela sua mesa mais alguns dias. Sua orquídea me parece bem morta e todo sábado considero os copos-de-leite numa esquina próxima, mas há muitas variantes como todas as acima, afinal não sei qual é o prazo de validade deles, menos ainda quando te devolvo suas chaves.


Sonhei que íamos a Búzios ou outra cidade litorânea para a inauguração de uma filial da Shakespeare and Co. Na praia ela era uma mistura de Saraiva com a seção infantil da Travessa de Botafogo. Sim, um pesadelo. Acordei e comprei 12 livros na Amazon.com, alguns dos quais já estavam no meu carrinho há meses. Ok, confesso, é o que tenho feito na sua rede: compras imaginárias em carrinhos virtuais, nunca vou até o fim do processo, até porque o wi-fi não chega muito bem ali. Os papeis na mesa são apenas cenário, não pense que estou escrevendo. Mas quem sabe. Ainda temos tempo. Temos, né?


segunda-feira, setembro 15, 2014

Vitória - vol. 1


O cachorro já não anda e saí prejudicada da última aula de ginástica: estas seriam razões suficientes para ficar gripada, perder todas as festas, as mostras, os acontecimentos e me recuperar somente a tempo de assistir a uma peça de teatro que vocês também odiaram. Outras desculpas possíveis têm a ver com aquela série que finalmente comecei a assistir, mas algo me diz que o verdadeiro motivo para a minha voz constipada é esse deserto simultâneo em Gávea e na Pompeu Loureiro. Sinto falta de cuidar das plantas e dos bichos alheios e de ficar imaginando o que eu copiaria de outras casas caso tivesse a minha.

Tomo o meu cappuccino preferido sozinha, aquele industrializado o suficiente que me esquenta sempre com o mesmo sabor. É só comigo ou é reconfortante poder confiar em alguma constância na vida?


Quando acordar na segunda-feira vou me render a um Neosoro, outra coisa que sempre dá certo. Vou almoçar kafta, talvez. Desejar uma recaída para ver o quarto episódio com o poodle roncando na minha barriga. 


quarta-feira, setembro 03, 2014

Ou o jeito que você erra

“Um dia eu vou ficar bem
Só pra te querer mais”
Marcelo Camelo em Pode ser, da Banda do Mar

Todo aquele disco, afinal, despertou em mim uma vontade maluca de fazer cafuné em alguém, justamente na semana em que eles disseram que era ótimo que eu não escrevesse sobre amor e afins, e a essa altura da conversa eu já estava distraída demais pensando se aqueles cabelos à minha frente eram propícios a todo o carinho que eu poderia oferecer. A possibilidade de me apaixonar naquela semana ficou totalmente condicionada ao que a minha imaginação construía ao redor dos cabelos das pessoas com quem eu me deparei. A textura certa e a quantidade ideal de ondas, além do controle dos índices de oleosidade, poderiam me levar a um enamoramento daqueles que põem medo.

Põe medo quando ele se levanta para ver alguma coisa na parede e aproveita para deslizar dois ou três dedos pelo meu braço apoiado no espaldar da cadeira: para, faz um comentário e esquece a mão ali no meu ombro esquerdo, como se fosse muito natural arranjar qualquer desculpa ou ameaça de mosquito no meio da sobremesa só pra encostar em mim neste lado onde tenho mais sardas. Calculo mentalmente o tempo que ainda falta para ser plausível dizer a ele que já está tarde, assusto-me ao perceber.


Assusta a quantidade de uvas em nossos copos cheios de cachaça, nossa incapacidade com furadeiras, pregos e parafusos e a variedade de padrões de tomadas e lâmpadas que há neste mundo. A única decisão que podemos tomar, afinal, é a disposição dos quadros, quase todas as serigrafias e desenhos a carvão invadidos por fungos, apesar de todas as blindagens e químicas prometidas numa etiqueta no verso das molduras. Desenhamos nas paredes os retângulos, levamos as obras para o carro e antes que eu fale qualquer coisa – e pra você eu nunca falaria – você diz que já está tarde, que eu preciso dormir, que amanhã, nem dá tempo de treinar na sua cabeça as linhas e rabiscos que eu iniciaria depois de fingir que havia alguma coisa presa nos cachos dele, peraí, vem cá. E nem comeríamos as entradas, emaranhados em nossas ferrugens e saudades, isso sim põe medo, isso sim. 

Eu não suporto OS DEPRIMIDOS. Parece um emprego, é a única coisa que merece algum esforço da parte deles. Olá, minha depressão vai muito bem hoje. Olá, hoje estou com outro sintoma misterioso e vou estar com um diferente amanhã. Os DEPRIMIDOS são cheios de ódio e bile, e quando não estão tendo ataques de pânico estão escrevendo poemas. O que eles querem que seus poemas FAÇAM? A depressão é o que há de mais VITAL neles. Seus poemas são ameaças. SEMPRE ameaças. Não existe sensação mais aguda ou mais ativa do que o sofrimento deles. Eles não têm nada exceto sua depressão. É só mais um serviço de utilidade pública. Como eletricidade e água e gás e democracia. Eles não poderiam sobreviver sem isso. MEUS DEUS, EU ESTOU MORTO DE SEDE. ONDE ESTÁ CLAUDE? 

Deborah Levy em Nadando de volta para casa