quarta-feira, setembro 03, 2014

Ou o jeito que você erra

“Um dia eu vou ficar bem
Só pra te querer mais”
Marcelo Camelo em Pode ser, da Banda do Mar

Todo aquele disco, afinal, despertou em mim uma vontade maluca de fazer cafuné em alguém, justamente na semana em que eles disseram que era ótimo que eu não escrevesse sobre amor e afins, e a essa altura da conversa eu já estava distraída demais pensando se aqueles cabelos à minha frente eram propícios a todo o carinho que eu poderia oferecer. A possibilidade de me apaixonar naquela semana ficou totalmente condicionada ao que a minha imaginação construía ao redor dos cabelos das pessoas com quem eu me deparei. A textura certa e a quantidade ideal de ondas, além do controle dos índices de oleosidade, poderiam me levar a um enamoramento daqueles que põem medo.

Põe medo quando ele se levanta para ver alguma coisa na parede e aproveita para deslizar dois ou três dedos pelo meu braço apoiado no espaldar da cadeira: para, faz um comentário e esquece a mão ali no meu ombro esquerdo, como se fosse muito natural arranjar qualquer desculpa ou ameaça de mosquito no meio da sobremesa só pra encostar em mim neste lado onde tenho mais sardas. Calculo mentalmente o tempo que ainda falta para ser plausível dizer a ele que já está tarde, assusto-me ao perceber.


Assusta a quantidade de uvas em nossos copos cheios de cachaça, nossa incapacidade com furadeiras, pregos e parafusos e a variedade de padrões de tomadas e lâmpadas que há neste mundo. A única decisão que podemos tomar, afinal, é a disposição dos quadros, quase todas as serigrafias e desenhos a carvão invadidos por fungos, apesar de todas as blindagens e químicas prometidas numa etiqueta no verso das molduras. Desenhamos nas paredes os retângulos, levamos as obras para o carro e antes que eu fale qualquer coisa – e pra você eu nunca falaria – você diz que já está tarde, que eu preciso dormir, que amanhã, nem dá tempo de treinar na sua cabeça as linhas e rabiscos que eu iniciaria depois de fingir que havia alguma coisa presa nos cachos dele, peraí, vem cá. E nem comeríamos as entradas, emaranhados em nossas ferrugens e saudades, isso sim põe medo, isso sim. 

Nenhum comentário: