quarta-feira, novembro 12, 2014

Panorama - dias 2 e 3

Um a um, seguindo as instruções da mulher sentada na mesa de som à direita do palco, os atores do teatro Hora adentram a cena, se posicionam no centro e encaram a plateia por cerca de um minuto – um ou outro se vira e dispara em direção à coxia em questão de segundos. Outra vez, e ainda individualmente, os mesmos atores voltam ao palco para dizerem seus nomes, idades, profissões e deficiências. A maioria dos atores da companhia suíça têm síndrome de down e reencenam em Disabled theater a relação que estabeleceram com o anticoreógrafo francês Jérôme Bel, também chamado por críticos e especialistas de um “provocador” da dança.
As instruções seguintes, então, determinavam que os atores escolhessem uma música e executassem uma coreografia. Bel escolheria as melhores para compor a performance. Todos os atores permanecem no palco, sentados em cadeiras em semicírculo, enquanto os eleitos dançam.

A trilha vai de Charleston a Michael Jackson. “They don’t really care about us” é dançada ipsis literis por Julia Häusermann, que até o momento de seu solo tentava chamar a atenção do rapaz sentado a seu lado, o mesmo que tem um certo grau de autismo. Julia se joga languidamente no colo do garoto, depois de demonstrar uma energia pélvica de dar inveja, arrancando ainda mais aplausos. Os atores também se agitam nas cadeiras em movimentos ora sincronizados, ora espontâneos, marcando batidas ou frases das canções escolhidas com os pés ou erguendo braços e punhos, às vezes cantando trechos.

Em seguida, os atores voltam ao centro do palco para dizerem o que acham da performance e do trabalho com Bel. Um deles reclama que queria dançar também, expondo sua mágoa com o diretor, que acaba cedendo aos apelos e dá mais tempo para a execução das coreografias que haviam sido deixadas de lado. Julia aproveita o momento para reclamar que queria mesmo dançar ao som de Justin Bieber, ao que é atendida. Ela canta “Baby” com emoção: é a grande estrela da noite. Saímos do (xexelento) Carlos Gomes encantados por ela.

Por fim, eles agradecem com a vênia habitual, o público delira e eu não sei o que fazer. Fico atenta aos comentários da plateia à saída do teatro, converso com um casal de amigos que também estava lá, leio mil críticas e mando os links para eles, porque teremos tempo suficiente do Centro à Cidade das Artes, no dia seguinte, para debater tudo o que for pertinente. A única coisa que concluo é que morro de preguiça, e então para mudar de assunto conto para eles que uma vez, há uns anos, denunciei um foco de mosquito que havia no lobby do teatro. Era o auge da dengue e havia uma espécie de disque-denúncia de focos de mosquitos, o que provavelmente ainda existe, e você podia acompanhar o desenrolar das ações municipais.

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A Cidade das Artes é quase tão desoladora, numa outra esfera, quanto o Carlos Gomes, e nunca sei se as obras estão prontas ou se ainda faltam coisas – grama, acabamentos e afins – mas também nunca sei se a Travessa de Botafogo está completamente concluída.


Drumming é uma coreografia de 1998 do Rosas, a companhia belga de Anne Theresa de Keersmaeker. Com música de Steve Reich e figurinos de Dries van Noten. Drumming é exaustiva, composta de uma sequência de movimentos e gestos espiralados, e te coloca num transe, parte por causa da música, parte por causa da dança. Uns acham datado, outros saem da grande sala reproduzindo braços e pernas aqui e ali e eu não sei o que fazer, mas por outra razão. Drumming, para mim, é até meio simples: gente dançando num patamar de excelência bonito de se ver. É mais ou menos o que eu quero, sempre. 


2 comentários:

Anônimo disse...

Julieta,

Sempre bom passar por aqui! Graças a um texto seu assisto a um documentário sobre Pina Bausch. E amei.

Paula Raja

Julieta disse...

Paula, que legal que você ainda frequenta essas bandas (espero que veja essa mensagem)! E mais legal ainda você ter amado a Pina. Feliz ano novo!