Um a um, seguindo as instruções da mulher sentada
na mesa de som à direita do palco, os atores do teatro Hora adentram a cena, se
posicionam no centro e encaram a plateia por cerca de um minuto – um ou outro
se vira e dispara em direção à coxia em questão de segundos. Outra vez, e ainda
individualmente, os mesmos atores voltam ao palco para dizerem seus nomes,
idades, profissões e deficiências. A maioria dos atores da companhia suíça têm
síndrome de down e reencenam em Disabled
theater a relação que estabeleceram com o anticoreógrafo francês Jérôme Bel,
também chamado por críticos e especialistas de um “provocador” da dança.
As instruções seguintes, então, determinavam que
os atores escolhessem uma música e executassem uma coreografia. Bel escolheria
as melhores para compor a performance. Todos os atores permanecem no palco,
sentados em cadeiras em semicírculo, enquanto os eleitos dançam.
A trilha vai de Charleston a Michael Jackson. “They
don’t really care about us” é dançada ipsis literis por Julia Häusermann, que até o momento de seu solo
tentava chamar a atenção do rapaz sentado a seu lado, o mesmo que tem um certo
grau de autismo. Julia se joga languidamente no colo do garoto, depois de
demonstrar uma energia pélvica de dar inveja, arrancando ainda mais aplausos. Os
atores também se agitam nas cadeiras em movimentos ora sincronizados, ora
espontâneos, marcando batidas ou frases das canções escolhidas com os pés ou
erguendo braços e punhos, às vezes cantando trechos.
Em seguida, os atores voltam ao centro do palco
para dizerem o que acham da performance e do trabalho com Bel. Um deles reclama
que queria dançar também, expondo sua mágoa com o diretor, que acaba cedendo
aos apelos e dá mais tempo para a execução das coreografias que haviam sido
deixadas de lado. Julia aproveita o momento para reclamar que queria mesmo
dançar ao som de Justin Bieber, ao que é atendida. Ela canta “Baby” com emoção:
é a grande estrela da noite. Saímos do (xexelento) Carlos Gomes encantados por
ela.
Por fim, eles agradecem com a vênia habitual, o
público delira e eu não sei o que fazer. Fico atenta aos comentários da plateia
à saída do teatro, converso com um casal de amigos que também estava lá, leio
mil críticas e mando os links para eles, porque teremos tempo suficiente do
Centro à Cidade das Artes, no dia seguinte, para debater tudo o que for
pertinente. A única coisa que concluo é que morro de preguiça, e então para
mudar de assunto conto para eles que uma vez, há uns anos, denunciei um foco de
mosquito que havia no lobby do teatro. Era o auge da dengue e havia uma espécie
de disque-denúncia de focos de mosquitos, o que provavelmente ainda existe, e
você podia acompanhar o desenrolar das ações municipais.
::
A Cidade das Artes é quase tão desoladora, numa
outra esfera, quanto o Carlos Gomes, e nunca sei se as obras estão prontas ou
se ainda faltam coisas – grama, acabamentos e afins – mas também nunca sei se a
Travessa de Botafogo está completamente concluída.
Drumming é uma coreografia de 1998
do Rosas, a companhia belga de Anne Theresa de Keersmaeker. Com música de Steve
Reich e figurinos de Dries van Noten. Drumming
é exaustiva, composta de uma sequência de movimentos e gestos espiralados, e te
coloca num transe, parte por causa da música, parte por causa da dança. Uns
acham datado, outros saem da grande sala reproduzindo braços e pernas aqui e
ali e eu não sei o que fazer, mas por outra razão. Drumming, para mim, é até meio simples: gente dançando num patamar
de excelência bonito de se ver. É mais ou menos o que eu quero, sempre.
2 comentários:
Julieta,
Sempre bom passar por aqui! Graças a um texto seu assisto a um documentário sobre Pina Bausch. E amei.
Paula Raja
Paula, que legal que você ainda frequenta essas bandas (espero que veja essa mensagem)! E mais legal ainda você ter amado a Pina. Feliz ano novo!
Postar um comentário