quarta-feira, agosto 09, 2017


Você não dorme porque eu construí um argumento que estremece a sua análise, a perfura, a atravessa. Nos custa dormir entre a dificuldade dos ossos também atravessados pelo incômodo das calcificações, calcificações que estão ali e que não precisamos que os exames certifiquem. Somos uma célula, estamos atentos a nós mesmos como a célula que somos. Podemos até diagnosticar a nós mesmos. Não precisamos de nenhuma tecnologia nem chegar até as câmeras médicas ultrassofisticadas , das quais você não, não quer saber e muito menos entender para garantir que temos calcificações nos ossos, que os ossos estão prejudicados e que doem as suas costas e os quadris estão quebrados pela artrose e, ainda que saibamos que poderíamos ter acesso a um quadril ou a um joelho de plástico de última geração, conectados microscopicamente por fios de metal quase ilegíveis, não o faremos, esperamos demais dos nossos ossos, apostamos neles, na história mais óssea que não deve ser interferida ou atravessada e cujo gasto é parte de um processo materialista que é necessário e, mais ainda, imperativo cursar.

Diamela Eltit, Jamais o fogo nunca (tradução: Julián Fuks)

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