Hoje comecei a ler um livro
que é a correspondência
entre dois poetas.
Dela, gosto muito,
dele, não sei nada.
Sei que ela escreveu seus versos
enquanto morou no apartamento
dele,
por um tempo.
Como eu fiz com M.,
há dois anos,
mas em prosa.
Você achou que aquele livro,
o meu primeiro,
era sobre o vizinho.
Eu ri, embriagada,
negando com a cabeça,
que tola.
É que o vizinho
não merecia
e nem merece, ainda,
e ainda mais assim,
na estreia,
e nem merecerá.
A única coisa
que deu certo com ele
foi uma planta.
E desconfio, aliás
que tenha dado certo
porque não depende dele,
e ficou só minha,
aqui,
nesse apartamento que planejo abandonar
e que você queria
povoar de antúrios.
Hoje, também,
comprei antúrios.
Não por sua causa,
é claro,
mas porque
os antúrios de M.
estão incríveis.
E porque antúrios,
dizem,
podem viver muito bem
dentro de apartamentos.
“Eu queria ter te dado aquela planta
cujas folhas têm formato de coração”
e desenha no guardanapo de papel,
e do meio do coração sai uma flor
que mais parece uma espiga,
ou um pau,
depende.
Mas não digo.
“Nossa relação é muito erótica”,
você dizia.
Agora
é só muito triste,
ou muito nada.
Teria feito aquele livro,
o primeiro,
de outro jeito.
Sem o vizinho,
nunca o vizinho.
Teria quebrado tudo,
pelo menos,
pra tentar fazer versos,
pra tentar parecer
alguma outra coisa.
Hoje comecei a ler um livro
que é a correspondência
entre dois poetas.
E comprei um vaso de antúrios,
corações vermelhos que trouxe pra sala,
onde você queria
deixar alguma coisa
“que ficasse, sabe?”.
Eu lia sentada à esquerda, no sofá,
onde antes a sua fala,
arrematada por uma última olhada
ao redor,
quase um suspiro,
certamente uma despedida,
como se alguma coisa,
que não você,
pudesse ficar
e ser suficiente.
Você jamais saberá dos antúrios,
já não me escreve,
não me responde,
não nada.
O quinto livro
talvez comece de alguma dessas entrelinhas,
talvez comece de alguma dessas entrelinhas,
ou de todas que,
assim como a casa,
penso em abandonar.
Não quero que tudo que eu escreva
tenha que se tornar alguma coisa.
sobretudo não quero
que tudo que eu escreva
seja sempre
endereçado.
Afinal,
você sabe melhor que eu,
como é fácil inventar o personagem,
que ficção é se apaixonar.
Se eu der enter entre uma palavra e outra já é poesia?
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