Amontoados na varanda estreita, percebemos que há algo errado com as coberturas do prédio ao lado: as escadas que ligam o primeiro piso à varanda descampada não têm qualquer tipo de proteção, de forma que, em caso de chuva, o primeiro andar deve ficar alagado. Há também uma varanda bastante esquisita com piso vazado, ou será que ali devem ficar os motores de ar-condicionado?
Esquisito também é o terceiro andar de um outro edifício onde se vê, além de um adesivo com número de político no vidro, uma árvore de natal que, não sabemos, ainda ou já está montada? Alguém arrisca um palpite de que o dono do apartamento está morto desde dezembro ou que então alguém faleceu no dia de Noel e a árvore virou uma espécie de quarto do defunto em que ninguém consegue entrar. Os outros palpites provocam risada.
Uma prima nos presenteia com fotos que ela tirou num almoço ocorrido semanas antes. A mais importante é a que reúne todos os primos, uns esmagados, uns por cima dos outros, e que é uma tradição antiga dos tempos em que se conseguia enquadrar todo mundo junto numa 10 X 15. Não só ficamos grandes, mas ficamos muitos também. Uns tiveram filhos, outros casaram e de repente viramos um grupo de primos que precisa de uma panorâmica para nos capturar.
Não por acaso, nos espalhamos por sofás, poltronas, braços de cadeiras e chão e eventualmente nos enfurnamos no quarto de alguém e fazemos interrogatórios uns aos outros enquanto uma das primas loiras chama o pai, carinhosamente, de Obeso. Descobrimos que a tartaruga da irmã, a quem ela chama Stupid, come prancha de surfe e fios elétricos. Alguém sugere que ela está com verme, alguém sugere que ela seja alimentada adequadamente, alguém sugere que ela vá ao Lâmina fazer exame de sangue. Lembramos de quando um dos primos, que agora é ex-veterinário, cuidou de um passarinho que, desgovernado, entrara janela adentro. A ave não durou muito e até hoje especulamos o quanto a morte do bichinho influenciou sua decisão de mudar de carreira.
Um outro primo que ficou tão grande que escondia papéis de bombons no alto das portas (“sabe quando você vai comendo bombons pelo corredor e coloca os papéis na quinas do alto das portas?”) diz aos pais que a lei seca acabou, e eles acreditam. É o mesmo primo que dá um susto em todo mundo quando aparece fugindo de tiro no noticiário e também o escolhido para ficar na fila do ingresso do show da Madonna, afinal estagiário deve cumprir esse tipo de tarefa.
Cantamos “Parabéns pra você” e “Com quem será?” no almoço de noivado e fazemos maracutaia no amigo-oculto de fim de ano.
Achamos graça quando o primo atrasado consegue ser o último a chegar no almoço que acontece em sua própria casa. Fazemos piada com o primo que já é pai de três porque achamos que ele já pertence à categoria tio. Caímos na pele da tia que resolveu fazer aula de teatro e não economizamos gargalhadas quando ela nos convida para sua apresentação de fim de ano.
Mas engraçado mesmo é quando, num momento de (milagroso) silêncio, escutamos a prima mais velha dizer à mais nova que, por ano, morrem mais pessoas de ataque de hipopótamos que de leão. Nos entreolhamos assustados, imaginamos que exista um contexto para a frase mas pensando bem, em se tratando de nós, nem precisaria. Sabe quando você tem uma família grande e hilária que parece nonsense?...
obs. O Meu paletó virou estopa ressuscitou por tempo indeterminado.
domingo, agosto 24, 2008
quarta-feira, agosto 20, 2008
Signo: leão. Ascendente: não sei.
Certo como dois e dois, aos vinte e cinco anos eu seria uma pessoa bem resolvida, segura e determinada que saberia diferenciar esmalte renda de misturinha branca. Tantos enganos, mais ou menos importantes que esse, continuaram aqui quando acordei na minha primeira manhã completando os tais. Os vinte e cinco chegaram sem que eu tivesse resolvido qual era meu livro preferido, qual meu filme de cabeceira ou quem eu levaria para uma ilha deserta. Mantive, porém, uma esperança moura de acordar mais velha e mais sabida até o último minuto da véspera do meu aniversário, e essa era uma característica que eu não queria perder. Quando chegassem meus vinte e cinco eu queria continuar otimista. Às vésperas dos vinte e seis reconheço que otimismo nada tem a ver com ilusões bobas ou com os desejos que os outros nos desejam e então, perto da nova idade, em vez de querer emprego-amor-saúde (e coragem e sonhos e flores, como desejam os mais poéticos), resolvi querer algumas coisinhas mais simples, portanto mais possíveis.
Quero, por exemplo, aprender onde se usa mau com “u” e mal com “l”. Quero poder entrar numa loja de travesseiros e responder, sem pestanejar, que prefiro travesseiros baixos não deformáveis, que detesto a tecnologia da Nasa aplicada neles e que não confio em penas de ganso. Quero conseguir ler pelo menos um caderno de algum jornal sem morrer de sono, e sem ser o de moda. Quero achar legal gente que come alimentos vivos e que estuda Cabala. Quero parar de arranhar o carro na pilastra da garagem e acertar qual o ônibus volta pra casa sem precisar andar metade do bairro. Quero visitar todos os amigos que moram fora e conhecer o Peru. Quero ter alguma opinião sobre política. Aos vinte e seis eu espero que meu astigmatismo pare de crescer, que os preços dos shows parem de aumentar e quero, muito, parar de comprar revistas. Espero também que virar o lado do colchão seja o suficiente, que eu não desmaie no show da Madonna (ou na fila para o ingresso do show da Madonna), que eu ainda veja muitos filmes que poderiam ser os que eu queria ter criado, que a Amy Winehouse não morra e continue fazendo músicas maravilhosas. Aos vinte e seis, o que eu queria mesmo era poder voltar pros 25 para não estar, então, mais perto dos 30 que dos vinte, ou pelo menos queria ficar no meio do caminho, ganhar tempo pra solucionar algumas coisas, preparar algumas respostas de forma que algumas pessoas entendessem melhor quando, finalmente aos 26, eu dissesse simplesmente: não sei.
Certo como dois e dois, amanhã quando eu acordar terei vinte e seis anos e estarei ridiculamente igual a quando eu tinha vinte e cinco. Vou levantar muito depois que tocar o despertador, tomar o mesmo leite no café da manhã, passar protetor solar mesmo dentro de casa e ficar sentada ao alcance do telefone, aguardando os desejos de todos enquanto invento um jeito menos angustiante de não saber. E começar um novo livro, que com alguma sorte será o preferido.
Quero, por exemplo, aprender onde se usa mau com “u” e mal com “l”. Quero poder entrar numa loja de travesseiros e responder, sem pestanejar, que prefiro travesseiros baixos não deformáveis, que detesto a tecnologia da Nasa aplicada neles e que não confio em penas de ganso. Quero conseguir ler pelo menos um caderno de algum jornal sem morrer de sono, e sem ser o de moda. Quero achar legal gente que come alimentos vivos e que estuda Cabala. Quero parar de arranhar o carro na pilastra da garagem e acertar qual o ônibus volta pra casa sem precisar andar metade do bairro. Quero visitar todos os amigos que moram fora e conhecer o Peru. Quero ter alguma opinião sobre política. Aos vinte e seis eu espero que meu astigmatismo pare de crescer, que os preços dos shows parem de aumentar e quero, muito, parar de comprar revistas. Espero também que virar o lado do colchão seja o suficiente, que eu não desmaie no show da Madonna (ou na fila para o ingresso do show da Madonna), que eu ainda veja muitos filmes que poderiam ser os que eu queria ter criado, que a Amy Winehouse não morra e continue fazendo músicas maravilhosas. Aos vinte e seis, o que eu queria mesmo era poder voltar pros 25 para não estar, então, mais perto dos 30 que dos vinte, ou pelo menos queria ficar no meio do caminho, ganhar tempo pra solucionar algumas coisas, preparar algumas respostas de forma que algumas pessoas entendessem melhor quando, finalmente aos 26, eu dissesse simplesmente: não sei.
Certo como dois e dois, amanhã quando eu acordar terei vinte e seis anos e estarei ridiculamente igual a quando eu tinha vinte e cinco. Vou levantar muito depois que tocar o despertador, tomar o mesmo leite no café da manhã, passar protetor solar mesmo dentro de casa e ficar sentada ao alcance do telefone, aguardando os desejos de todos enquanto invento um jeito menos angustiante de não saber. E começar um novo livro, que com alguma sorte será o preferido.
quinta-feira, agosto 14, 2008
Fiquei pensando antes de responder...
... porque de fato pouco mudou desde a última vez em que nos vimos. A cor do cabelo está um pouco diferente sim, me distraí na hora de comprar a tinta e ainda bem que gostei. Mantenho o mesmo formato, não engordei muito e nem emagreci demais. Ah claro, tenho ido mais à praia, é circunstancial, mas o sol pouco me afeta, de forma que continuo usando o bom e velho pó de arroz. Pensei em comprar uma bicicleta, mas creio que esse tipo de pensamento não realizado é descartado do quesito novidades, né? Foi o que eu imaginei, mas só pra você saber, se eles valessem, eu poderia te escrever por horas.
Começou com a bicicleta porque de repente me veio uma necessidade incontornável de querer estar ao ar livre. Acho que é inevitável depois de se trabalhar por meses dentro de escritório. E também algumas amigas passeiam por aí em suas magrelas, levando suas coisas dentro das cestinhas. É quase romântico pensar em se locomover por aqui montado em bicicleta. Por fim, acabei achando arriscado, eu sou tão desligada que poderia ser atropelada facilmente e aí sim eu teria novidades emocionantes, talvez trágicas, para contar. Então eu optei por teatro, que era mais estável e seguro que a primeira idéia, não era bem ao ar livre, mas era uma chance de desabafar sem precisar falar nada. O que mais me atraiu nesse plano era a possibilidade de aprender a chorar. E de aprender a parar de chorar, principalmente. Mas e o que eu ia fazer na hora em que tivesse que dizer alguma coisa na frente de outros alunos? É esse o problema. Eu sempre acho que as pessoas da turma de teatro vão ser aquelas que usam calças molinhas, que são anti-emails e que, claro, andam por aí de bicicletas. E pior: não seguram o guidon quando em linha reta. Sim, desisti do teatro, até porque cada vez que pensava nisso me dava um ataque de timidez que ficava com vergonha até de ligar pra pedir informações.
Continuo na aula de inglês, agora faço aula tripla, a conversação flui melhor. Desde a primeira aula abolimos alguns temas como Olimpíadas, religião, futebol, política. Uma das pessoas pediu também para não falarmos muito sobre animais de estimação pois ela acabara de perder seu cão adorado. A segunda pessoa mostrou-se um pouco radical quando falamos de cinema outro dia, quase me agrediu só porque eu disse que gostava de musicais. Ele defende filmes de autor quase como quem defenderia Jesus. É realmente impressionante. Desde esse dia passamos a evitar também esse tópico. Temos conversado muito sobre música e destinos de viagens, esses parecem ser de interesse comum e até agora têm funcionado. Mas convém não abusar. Tenho tentado inserir dança na conversa pra ver se o público aumenta, mas quando eles me pedem indicações de espetáculos para ver eu fico receosa. Como é que poderia recomendar espetáculos de dança contemporânea para eles, por exemplo? Até pouco tempo eles achavam que Nureyev era uma cidade russa. É cedo demais para inicia-los.
Continuo também dormindo pra caramba, ainda mais agora que não tenho que escutar despertador. Eu sei que é temporário, como a praia, então faço o melhor dueto: tiro cochilos na areia, sob o guarda-sol, quando começa a esfriar um pouquinho. Ainda insisto, também, nos cds, compro cds a toda hora. As caixinhas, por sua vez, ainda insistem em se esborrachar no chão na primeira semana, acho que já faz parte do ritual. É isso o que tenho pra contar, acho que fico fazendo e desfazendo planos para ter assunto, mas no fundo não tenho tanto assim. Prefiro sempre responder que ta tudo bem, tudo mais ou menos igual e emendar, exclamando, você é que deve ter uma porção de histórias bacanas pra dividir! Fico com vergonha de falar sobre o musical infantil que me fez chorar. E adio a hora, enquanto não tomo coragem, de te dizer a novidade mais nova e óbvia, que já faz uns dias: você virou assunto na terapia.
:: Nina Simone
Começou com a bicicleta porque de repente me veio uma necessidade incontornável de querer estar ao ar livre. Acho que é inevitável depois de se trabalhar por meses dentro de escritório. E também algumas amigas passeiam por aí em suas magrelas, levando suas coisas dentro das cestinhas. É quase romântico pensar em se locomover por aqui montado em bicicleta. Por fim, acabei achando arriscado, eu sou tão desligada que poderia ser atropelada facilmente e aí sim eu teria novidades emocionantes, talvez trágicas, para contar. Então eu optei por teatro, que era mais estável e seguro que a primeira idéia, não era bem ao ar livre, mas era uma chance de desabafar sem precisar falar nada. O que mais me atraiu nesse plano era a possibilidade de aprender a chorar. E de aprender a parar de chorar, principalmente. Mas e o que eu ia fazer na hora em que tivesse que dizer alguma coisa na frente de outros alunos? É esse o problema. Eu sempre acho que as pessoas da turma de teatro vão ser aquelas que usam calças molinhas, que são anti-emails e que, claro, andam por aí de bicicletas. E pior: não seguram o guidon quando em linha reta. Sim, desisti do teatro, até porque cada vez que pensava nisso me dava um ataque de timidez que ficava com vergonha até de ligar pra pedir informações.
Continuo na aula de inglês, agora faço aula tripla, a conversação flui melhor. Desde a primeira aula abolimos alguns temas como Olimpíadas, religião, futebol, política. Uma das pessoas pediu também para não falarmos muito sobre animais de estimação pois ela acabara de perder seu cão adorado. A segunda pessoa mostrou-se um pouco radical quando falamos de cinema outro dia, quase me agrediu só porque eu disse que gostava de musicais. Ele defende filmes de autor quase como quem defenderia Jesus. É realmente impressionante. Desde esse dia passamos a evitar também esse tópico. Temos conversado muito sobre música e destinos de viagens, esses parecem ser de interesse comum e até agora têm funcionado. Mas convém não abusar. Tenho tentado inserir dança na conversa pra ver se o público aumenta, mas quando eles me pedem indicações de espetáculos para ver eu fico receosa. Como é que poderia recomendar espetáculos de dança contemporânea para eles, por exemplo? Até pouco tempo eles achavam que Nureyev era uma cidade russa. É cedo demais para inicia-los.
Continuo também dormindo pra caramba, ainda mais agora que não tenho que escutar despertador. Eu sei que é temporário, como a praia, então faço o melhor dueto: tiro cochilos na areia, sob o guarda-sol, quando começa a esfriar um pouquinho. Ainda insisto, também, nos cds, compro cds a toda hora. As caixinhas, por sua vez, ainda insistem em se esborrachar no chão na primeira semana, acho que já faz parte do ritual. É isso o que tenho pra contar, acho que fico fazendo e desfazendo planos para ter assunto, mas no fundo não tenho tanto assim. Prefiro sempre responder que ta tudo bem, tudo mais ou menos igual e emendar, exclamando, você é que deve ter uma porção de histórias bacanas pra dividir! Fico com vergonha de falar sobre o musical infantil que me fez chorar. E adio a hora, enquanto não tomo coragem, de te dizer a novidade mais nova e óbvia, que já faz uns dias: você virou assunto na terapia.
:: Nina Simone
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