terça-feira, setembro 29, 2009

Carta a B.D.

Ma chère,

Respondo tão imediatamente quanto possível, embora não creia, de fato, que haja aqui qualquer continuidade de algum dos assuntos que mencionou em tua carta. O que pretendo destes escritos que te encaminho é que neles respingue um pouco disso tudo que não cabe mais comigo, e que também não tem refúgio em mais nenhum lugar.

O que de mais urgente tenho a tratar é que concluí, ainda que aos tropeços, que “eu te avisei” é tão covarde de dizer porque não é conforto, é insensibilidade. Você, eu e todo mundo nos descuidamos de tantos avisos diariamente, e não é por isso que se vive? Não é por isso que pagamos contas exorbitantes e vomitamos vodca no dia seguinte? Não é por isso que quebramos a cara e passamos o batom de novo?

Imagine uma legião de pessoas civilizadamente avisadas escapando de ressacas, providenciando desencontros, dormindo tranqüilas e ouvindo música clássica em suas casas. Imagine a quantidade de bocejos cabíveis numa conversa com pessoas que se furtam a sorrisos, que nunca prolongam as férias, que obedecem aos sábados. Imagine só que mesquinharia não enfrentar chuvas na estrada, não extrapolar a paciência dos vizinhos por repetir os gemidos dramáticos do mesmo solo de guitarra sete vezes por dia.

Portanto a fúria. Porque é necessário ter ao alcance as melhores pessoas, aquelas que vão inventar outras formas de consolo, as que vão desafiar suas tristezas porque se empenharão em te fazer subir à superfície pra respirar, aquelas que olhando esses infernos (que às vezes chegam) vão te abençoar e te carregar no colo. Porque as melhores pessoas têm mais a dizer do que apenas “eu te avisei”, e quando elas dizem isso é que o inferno realmente desembarca, porque elas deixam de ser deuses e você percebe que elas são tão limitadas quanto você.

E então vem esse destempero, essa raiva interminável de não ter pra onde ir, essa frustração pesada de entender que ninguém quer saber, ninguém quer perguntar, porque é evidente demais, porque todo mundo alertou, porque eu já tinha previsto, porque é bobagem ficar triste por motivos que estão anunciados há tanto tempo.

Deve ser mesmo. Vai ver a demente sou eu.

Me acalma ouvir música, é só o que tem funcionado. Fico ridiculamente suspensa e com fé por causa de “The White Álbum”. Escute “While my guitar gently weeps” no volume máximo, mande os vizinhos às favas e você vai entender: a música soa tão impossível quanto as histórias que inventamos e quanto a tudo isso que a gente sente e não consegue nem decifrar. E se dá pra fazer música de tormentos, então vai ver que dá pra fazer outras coisas deles também.

Você não entende o que é dito nas aulas. Eu ando sem entender quase tudo. Mas acho que o que ele está tentando avisar é que é possível não ser medíocre nessa vida.

Te encontro no lugar de sempre.

segunda-feira, setembro 28, 2009

De cartas

Acontece isso quando as correspondências se dão em blogues: a Bruna responde aqui a uma carta que escrevi pro Carlos (aqui), que por sua vez me respondeu lindamente via comentários (e é pena que tenha sumido do Baixo Leblon, porque eu continuo por ali à sua procura pra continuar essa conversa).

Então eu, que sempre desenvolvi obsessões neste lugar (calor, SAARA, suicídios), agora prometo encasquetar com essas coisas de escrever pra todo mundo que (felizmente) me dá algum tipo de alento, mesmo que deles me surjam ainda mais perguntas e calos nos dedos.

Talvez eu volte a falar do verão no centro da Cidade, ou talvez eu volte a me matar por causa de gente com barba, quem sabe ainda possa haver confusões e episódios que envolvam o porteiro da noite. Fato é que há de se pensar sobre tudo o que a Bruna diz, e há de se insistir na praia, que talvez o Carlos continue por lá. Com sorte sentaremos os três na areia, deixaremos as ondas refrescarem os pés, e no fim do dia seguiremos praquele bar que sempre nos conforta, onde constantemente despejamos gargalhadas sobre as mesas.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Every move I make

Eu sei que no teste dos bares cariocas o Gustavo é o Bar da Praia e o Rodrigo é o Palaphitas (pfff), sei que a Fabi quer que o Acaso chegue e que o Kiko achou o jogo de futebol feio a ponto de não querer mais assistir nenhum. Sei que a Julia precisa de ajuda no jogo de Máfia Wars (que até hoje eu não sei o que é), que o Thiago adora a Elizeth Cardoso e que a Ritinha lembrou-se, graças a mim, que "D’yer Maker" é daquelas músicas que dá pra deixar no repeat por cinco horas seguidas. A Biba, se fosse uma roupa, seria um conjunto de lingerie (sexy), a Raphaela ta vendo o Emmy, a Biela sobreviveu ao casamento de ontem, a Cissa ta muito feliz porque casou (ontem), o Léo é flamengo até em Lima e o Bruno ta indeciso entre 3 nomes de mulheres que não fazem sentido nenhum pra mim. A Guga renovou sua playlist no ipod, a Carla convidaria o Kenny (entre outras pessoas mortas) para jantar, a Isa ta felizzzzzz com muitos “z”, a Adriana perdeu seu nextel. Eu sei que a Olivia também seria o Palaphitas na categoria barzinho do Rio (desde quando o Palaphitas é “barzinho”?), a Eduarda seria o Jobi (assim como eu), a Betinha se perdeu na liquidação da Livraria da Vila e a Bruna ta indo pra Hanói (com outra Julia). Eu sei que a Anita não está entendendo nada da venda de ingressos pro festival do Rio, a Bebel não conseguiu falar com a Inês no dia do aniversário dela (nem eu, até porque eu nem sabia), sei que o Eduardo queria saber desenhar, que a Maíra quer falar com a Luiza e que a Joana ama Bloody Mary. Eu sei que a Carol achou o final de "True Blood" bem ruinzinho. Eu sei que a Madá está pensando na vida, que o Chico quer ser Zé Mayer em uma outra e que o Augusto também pensa que o tempo é mercúrio cromo. Sei que o Manel gosta de “Kind of Blue” e que o Felipe deseja que durmamos bem ao som de John Coltrane (dormiremos). Eu sei que a Jô desejou Feliz Ano Novo pra Nicola, que o Antonio sempre lê "The Economist", que a Camila não sabe se compra um carro ou aluga uma casa. Eu sei que a Mel precisa de uma mandinga branca, que a Ana tá com saudades da Maína e que a Evelyn não tem forças nem para abrir uma Vogue.

Toda essa gente deve saber que andei comprando pneus, que planejei explodir o Detran, que tenho frequentado festas onde tocam Ace of base e C&C Music Factory (e que portanto planejo comprar um par de tênis Keds e usar perfume CK One). Toda essa gente deve saber que de fato escuto no repeat há cinco horas seguidas aquela música porque seriously: you don't have to go e a gente pode beber duas jarras de sangria por noite até pra sempre. Toda essa gente sabe que quero ficar sedada, que estou cabeloless e que voto Paulo Borges para presidente.

Toda essa gente sabe que eu perdi a lixeira do meu desktop já faz quase um mês e ninguém consegue resolver esse mistério. E eu pensando que o Facebook seria útil nesses momentos de aperto...

sábado, setembro 12, 2009

Extratos

O mundo poderia acabar enquanto alguém corta meu cabelo porque nada é tão relaxante quanto mãos que brincam com meus cachos, especialmente quando eu sei que no final eu sairei do recinto penteada (e socializável, portanto).

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Se o mundo acabasse agora eu teria nas mãos essa persistência de uma saudade que não é avassaladora a ponto de me pôr louca e batendo à sua porta, mas que também não é tão branda que me deixe dormir sem sobressaltos, e que também não é prudente que me impeça de te dizer: putz grila.

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Putz grila é também quando chego em casa e penso que Dona Laura desabafou comigo essa tarde, além de ter me lançado olhares cúmplices e trejeitos solidários. A testa se franze toda e fico com essas rugas de saber que as queixas de Dona Laura não cabem nesses meus dias, especialmente porque até bem pouco tempo eu pensava que Dona Laura queria me matar.

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Substituo suicídios por assassinatos por justa causa, e minha defesa ganha tantas nuances a cada vez que relato o fato para alguém que penso em escrever um roteiro. Decido, porém, calcular os próximos passos, observar de perto as próximas vítimas. Mato o porteiro e em vez de ir ao cinema acampo na Yogoberry mais próxima, peço iogurtes cobertos com pedaços de manga e sento na calçada da praia pra ver o indo e vindo infinito.

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Tudo passa e tudo sempre passará, desde que existam no mundo essas pessoas que se demoram onde as ondas estouram até você criar coragem pra entrar no mar (eu tenho medo das ondas), essas pessoas que topam quase qualquer coisa, mesmo que seja uma ida ao Zoológico no meio do feriado, essas pessoas que oferecem seus sofás num apartamento cheio de copos (e se oferecem de todo), tudo passa e tudo sempre passará desde que existam amigos que treinem cantadas com você, e cães fiéis que não entendem nada do seu choro e que te acolhem mesmo assim, e essa gente que você tem certeza que sempre volta.

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Tudo passa e tudo sempre passará, desde que você saiba e permita que isso aconteça.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Carta a C.

Caríssimo,

Chegou-me seu email no meio de uma terça-feira em que rasguei mais de 3 páginas do caderno. A segunda trouxe tanto enfado e andança que nada (e nada mesmo: nem feijão, nem vestido ou poema) funcionou. Ainda não funciona: até aqui matei todas as aulas que podia e concluí que essa dor que voltou às costas só pode ser porque amei demais, e isso é o máximo de beleza que eu enxergaria em algum lugar, não fosse tão patético. Tenho visto pouca coisa que me deixa assim: mexida e desfigurada, tão diferente que envolve um reprocessamento anatômico.

Tem sido uma questão, essa (ou esta?). Me veio ao final daquele ballet. Será que aos poucos a gente vai perdendo essa pré-disposição aos deslumbramentos? Ou será que a gente anda correndo tanto e lendo tanto e sabendo tanto que fica mesmo sem saber parar e gostar dessas coisas? Ou será que é porque isso que sempre foi tão bom só pode ser tão bom e quando não é frustra? Ou será que essas coisas estão de fato repetitivas? Ou será que sou eu? E se for? E se eu te contar que outro dia quase não agüentei comer aquele prato todo de bolinhas-de-queijo? E se eu te contar que comi, porque deixar pela metade seria tão assustador pra mim quanto pros que estavam na mesa? Parece pequeno, eu sei. Mas assim percebo como é doído deixar essas partes que não sou mais pra trás. É doído porque não sei o que virá depois e ao mesmo tempo não sei como lidar com essas coisas que já foram minhas e que não são mais. Você sente isso às vezes? Você acha que é muito exagero pensar nisso tudo só porque não ando gostando de ballets?

Talvez seja. Essas conversas ficam melhores quando tem Carol do outro lado. Nós fazemos isso: destrinchamos essas miudezas e elas viram um monte de perguntas. Raramente sei responde-las. Carol diz que também não. Essa semana ela me perguntou o que me motiva e eu não conseguia saber nem por um decreto. Eu sei essas motivações abstratas e que ficam tão bem em blogs e textos que se pretendem bacanas: pé de jabuticaba, Clarice Lispector, vidro do carro abaixado, filme novo pra ver.

Estou com essa mania de enumerar coisas sem pé nem cabeça.

Estou com essa mania também de ficar querendo e tentando sonhar com ele. Mas não funciona, e nunca sei se é porque é quarta-feira ou se é porque é precaução.

E se a gente começa a assumir pra todo mundo essas mudanças? E se a gente começa a falar mesmo tudo o que quer, e se a gente começa a abraçar de verdade as pessoas, e se a gente pede um tempo pra uns? E se ninguém entender, será que dura muito essa solidão? E se a gente já estiver mesmo sozinho?

Eu te escreveria mais, não fosse essa escuridão pela janela. Está certo, eu te escreveria mais, porém não quero. Não quero e não é de birra e nem pra te convencer de que não tenho mais frases. Não quero porque as coisas que eu tenho pra contar ainda não aconteceram. E se virarem de verdade, te conto logo e sem fôlego, e fico feliz porque serão boas, minhas e novas. Fico feliz porque sim.

A previsão pro feriado é de chuva. Será que vai ter mesa no Jobi?

Um beijo,