Coração,
Prometi que te escreveria essa semana. Eu sei, nunca te contei sobre tal promessa, mas é que ando fazendo anotações mentais e em post-its de coisas que queria dividir. São bobagens. E pequenas. São nada, na verdade, só uma desculpa pra pegar na caneta, preencher o vazio de mais de oito dias sem ocupar qualquer folha do caderno, imaginar que estou mais próxima de você, confessar saudades um pouco idiotas.
Começou essa vontade de te escrever num dia que choveu descompassadamente, e em que eu não carregava guarda-chuva, e me abriguei no Real Gabinete Português de Leitura. Foi o primeiro post-it, espécie de resolução antecipada de ano-novo: entrar, ao menos todos os dias, no Real Gabinete Português de Leitura. Você precisa dessas coisas, às vezes? Tenho uma sensação de que esses improvisos me salvam de morrer todos os dias. Como levar o biquíni dentro da bolsa e passar o dia pensando no mergulho tardio no mar. Como devorar cachorros-quentes em dia de semana na casa da Carol, e cantarolar Fito Paez entre uma dentada e outra. Como encarar o trajeto do Centro a pé e entrar em todas as lojas de discos. Como, na ânsia de me desapegar de tantas coisas, deletar minha conta no twitter.
Como as legendas que você escreve para essas fotos que são tão tuas.
O segundo post-it não é resolução de nada. E nem os outros. São pedaços de nem sei o quê. Autores que me fizeram amar na última semana, pequenas queixas de uma discreta dor no tornozelo direito, indagações esquemáticas e indícios de pânico: até quando conseguirei carregar tantas sacolas? E se o carro sucumbir antes do tempo? Como faz pra se vestir nesse calor? E se sentar alguém esquisito ao meu lado no metrô? E depois que esse ano passar, faço o quê?
Nem planos, nem idéias, nem fugas. Quando 2010 chegar eu ainda vou estar assim, óculos vermelho, cabelo bicolor, ligeiramente bêbada tentando te convencer de que a gente pode fazer alguma coisa diferente, procurando no cd do carro uma música que você goste, arquitetando consolos vãos, evitando tuas mordidas embriagadas.
E procurando esses abrigos, que estão no cheiro de livros acumulados e mofados, na platéia de uma peça de teatro repleta de crianças hipnotizadas por tudo o que acontece no palco, nas tuas mensagens nonsense, que leio no celular ao acordar.
Acho que ando te entendendo tanto que me pego até sem saber como concordar: fica parecendo imitação.
E pensar que já quis te matar mais de uma vez...
Marcelo disse que você fala muito em mim. Acho que eu tenho falado muito em você também. Deve ser porque nos ganhamos de outro jeito esse ano, e porque ficamos sólidos, mais do que a gente poderia adivinhar.
E as saudades um pouco idiotas... Umas incorrigíveis, outras angustiadas, e essa que você já deve imaginar: uma tarde na praia. Mesmo que eu tenha que pagar seu mate.
Topas?
Um beijo,
domingo, novembro 29, 2009
quarta-feira, novembro 18, 2009
They promised us truth
- “A penny for your thoughts”. É a expressão em inglês. Primeira frase de “Miracle”, do Bon Jovi.
- Mas não é tão boa quanto querer ser uma mosquinha no lugar errado.
- De fato não é. Mas a mosquinha, no fim das contas, também não consegue ler os pensamentos dos outros. Não é esse o foco?
- O foco é o quanto as pessoas mudariam a opinião delas sobre nós, se pudessem saber essas coisas, esses pensamentos automáticos sem repreensão ou julgamento. Pensamentos anárquicos. Acho que isso define.
- Sim. Mudariam.
- Quanto?
- Acho que muito.
- Então você diria que está atuando sempre? Que está o tempo todo podando o que vai dizer? Sem dar voz a esses pensamentos anárquicos?
- Hum.
- Desenvolva.
- Estou indecisa: acho que o primeiro pensamento é sempre anárquico. Digo: a primeira reação, de um modo geral. Depois é que vem a ponderação, a análise, os prós e contras. E então o primeiro pensamento já muda. Ou evolui.
- Entendo. Eu me pergunto pra onde será que vão essas coisas que a gente pensa e não diz. E fico curiosa, tentando adivinhar reações, prevendo o que aconteceria se a gente falasse mesmo logo essas primeiras palavras que vem à mente. Pensando que seria bacana dar margem a esses impulsos.
- Não seria um pouco selvagem?
- Talvez. Certamente seria menos Freudiano, no sentido de que seria tudo menos a-na-li-sa-do, menos estudado, menos mentiroso. Eu sinto falta da espontaneidade.
- Sim. Mas eu diria que você é das pessoas mais espontâneas que encontrei.
- Por que?
- Por causa de respostas como "putz, não, ele atrapalha qualquer suruba".
- Mas aí não era anarquia. Era álcool. Será que isso ajuda?-
- Pode ser. Ou um pouco de surrealismo. No sentido literal mesmo.
- Miró, Dalí, Breton? Essa gente?
- É. Era o que eles queriam, não era? Uma arte automática, do inconsciente? Tinham lá seus métodos, uns menos ortodoxos que os outros.
- Sim. Mas será que a gente pode voltar pra nossa gente? Será que a gente pode manter uma linha de pensamento mais Baixo Gávea, por exemplo?
- Claro. Foco. Baixo Gávea, por exemplo (...) Eu seria interditada no Baixo Gávea, por exemplo.
- O Baixo Gávea é um celeiro de pensamentos anarquistas mesmo. Uma média de 3 por cada pessoa que a gente encontra. Muita gente, né? Mas enfim. Você está pensando no que agora?
- Em nada anárquico. E também se fosse, eu não ia revelar.
- Eu acho que revelaria. Se fosse uma anarquia confessável. Ainda mais sabendo que eu não sou reacionária. Às vezes eu confesso essas anarquias mais brandas. Mas o que eu queria mesmo era saber as alheias.
- Mas as alheias de gente aleatória? Ou as dos nosso amigos? Da nossa gente baixo-gavista?
- Da nossa gente. Eu costumo perguntar.
- Elas respondem?
- Elas disfarçam. Minha mãe sempre pergunta no que estou pensando. O facebook também. Há há. Eu tenho vontade de ser sincera. Mas sempre acho que a pergunta é retórica. Ou mais pra preencher silêncio.
- Você pode responder está pensando na morte da bezerra. Ou pode cantar uma música “eu estou pensando em você, pensando em nunca mais te esquecer”. Ou pode dizer que pensa no Haiti. Outro dia eu quase respondi assim.
- É uma boa resposta pra acabar com qualquer conversa, né? A não ser que o interlocutor seja, sei lá, o André Lobato.
- Ééééé... Na verdade foi uma mensagem que chegou: “penso em você”.
- A gente sempre acaba falando de amor, né?
- E tem coisa mais anárquica que isso?
- Mas não é tão boa quanto querer ser uma mosquinha no lugar errado.
- De fato não é. Mas a mosquinha, no fim das contas, também não consegue ler os pensamentos dos outros. Não é esse o foco?
- O foco é o quanto as pessoas mudariam a opinião delas sobre nós, se pudessem saber essas coisas, esses pensamentos automáticos sem repreensão ou julgamento. Pensamentos anárquicos. Acho que isso define.
- Sim. Mudariam.
- Quanto?
- Acho que muito.
- Então você diria que está atuando sempre? Que está o tempo todo podando o que vai dizer? Sem dar voz a esses pensamentos anárquicos?
- Hum.
- Desenvolva.
- Estou indecisa: acho que o primeiro pensamento é sempre anárquico. Digo: a primeira reação, de um modo geral. Depois é que vem a ponderação, a análise, os prós e contras. E então o primeiro pensamento já muda. Ou evolui.
- Entendo. Eu me pergunto pra onde será que vão essas coisas que a gente pensa e não diz. E fico curiosa, tentando adivinhar reações, prevendo o que aconteceria se a gente falasse mesmo logo essas primeiras palavras que vem à mente. Pensando que seria bacana dar margem a esses impulsos.
- Não seria um pouco selvagem?
- Talvez. Certamente seria menos Freudiano, no sentido de que seria tudo menos a-na-li-sa-do, menos estudado, menos mentiroso. Eu sinto falta da espontaneidade.
- Sim. Mas eu diria que você é das pessoas mais espontâneas que encontrei.
- Por que?
- Por causa de respostas como "putz, não, ele atrapalha qualquer suruba".
- Mas aí não era anarquia. Era álcool. Será que isso ajuda?-
- Pode ser. Ou um pouco de surrealismo. No sentido literal mesmo.
- Miró, Dalí, Breton? Essa gente?
- É. Era o que eles queriam, não era? Uma arte automática, do inconsciente? Tinham lá seus métodos, uns menos ortodoxos que os outros.
- Sim. Mas será que a gente pode voltar pra nossa gente? Será que a gente pode manter uma linha de pensamento mais Baixo Gávea, por exemplo?
- Claro. Foco. Baixo Gávea, por exemplo (...) Eu seria interditada no Baixo Gávea, por exemplo.
- O Baixo Gávea é um celeiro de pensamentos anarquistas mesmo. Uma média de 3 por cada pessoa que a gente encontra. Muita gente, né? Mas enfim. Você está pensando no que agora?
- Em nada anárquico. E também se fosse, eu não ia revelar.
- Eu acho que revelaria. Se fosse uma anarquia confessável. Ainda mais sabendo que eu não sou reacionária. Às vezes eu confesso essas anarquias mais brandas. Mas o que eu queria mesmo era saber as alheias.
- Mas as alheias de gente aleatória? Ou as dos nosso amigos? Da nossa gente baixo-gavista?
- Da nossa gente. Eu costumo perguntar.
- Elas respondem?
- Elas disfarçam. Minha mãe sempre pergunta no que estou pensando. O facebook também. Há há. Eu tenho vontade de ser sincera. Mas sempre acho que a pergunta é retórica. Ou mais pra preencher silêncio.
- Você pode responder está pensando na morte da bezerra. Ou pode cantar uma música “eu estou pensando em você, pensando em nunca mais te esquecer”. Ou pode dizer que pensa no Haiti. Outro dia eu quase respondi assim.
- É uma boa resposta pra acabar com qualquer conversa, né? A não ser que o interlocutor seja, sei lá, o André Lobato.
- Ééééé... Na verdade foi uma mensagem que chegou: “penso em você”.
- A gente sempre acaba falando de amor, né?
- E tem coisa mais anárquica que isso?
domingo, novembro 08, 2009
Trecho
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e separa.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e separa.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quinta-feira, novembro 05, 2009
Das coisas
(outro volume)
Das dores
Cospe um homem de estatura mediana que veste camisa azul à minha frente, deixando sobre a plataforma da estação Cinelândia uma micro poça de saliva e repetindo o gesto que acontecera três horas antes na calçada da Rua dos Andradas, quando um senhor já encolhido pelo tempo deixou seu cuspe sobre as pedras portuguesas.
Cospe uma moça de short jeans, blusa amarela e gorduras localizadas salientes ao atravessar o sinal em Botafogo. Cospe o rapaz de sunga do calçadão num doce (e babado) balanço a caminho do mar, cospe um sujeito que carrega uma mochila pesada perto do posto de gasolina na Barra e é sempre: encher os pulmões e a boca e despencar pelo passeio público a baba incontida que deve carregar consigo alguma espécie de libertação. Deve haver algo de exorcismo numa cusparada, deve haver algo de transgressor, deve ser o exato oposto de engolir sapo, deve ser descarrego de tormentos e, portanto, cogito amanhã bem cedo dar uma bela e vigorosa cusparada em algum ponto da Nossa Senhora de Copacabana, de preferência bem no meio da cara de alguém que mereça.
Do suor
O prenúncio do carnaval é a praia do feriado em que não há vagas, água ou queijo coalho possíveis. Escafedem-se os espaços na areia, as ondas invadem pernas, cangas e bolsas esquecidas e o mar é redenção. Brilham os torsos nus dos jogadores de altinha, anarquizam a beira do mar as crianças, solidarizam-se as gentes apertadas e organiza-se a lista de espera do guarda-sol enquanto alguns sonham com cachoeiras, outros com piscina, outros com estação de esqui. O gesto de devolver os óculos ao topo do nariz é repetido cerca de 40 vezes por minuto, o menor cabelo desconforta, o galão do mate ofusca os olhos e já não se pode ir pra casa antes das quatro da tarde, quando começa a baixar o sol, a dispersão do aglomerado, quando se pode, então, esticar-se, cochilar, morrer de rir.
Dos vôos
Repousam no batente da janela os óculos enquanto deslizo pelo chão meus pés, e desenho em madeira giros e saltos e é como cachaça ou heroína, porque é transporte pra qualquer lugar. Fica jogada num canto da sala a blusa úmida, fica esparramada e delirante a pessoa ao fim da aula, fica a ressaca no carro no caminho de volta pra casa. Fico existencialista e dona de tudo o que é meu: joelho, ligamentos, pescoço, mãos, tornozelos, impulsão, tesão, calma, pausa, ataque,articulações e o melhor: pulso.
Dos laços
Emperram-se muito facilmente os zíperes de vestidos sem uso, amarelam-se as sedas guardadas e a linha sempre arrebenta na última agulhada, impossibilitando o nó que segura a costura, desatando mágoa e lamentos engasgados. Solicito consertos para os sapatos, que precisam de novas solas depois de tanta chuva. Escapam-me as vontades de tentar indiferença, de achar normal, de dizer: tchau, e entrego-me a perder as estribeiras.
Volta, que se você voltar eu prometo que dessa vez eu fico.
::
Washing against the lonely tenement has set my mind to wonder
Into the windows of my lovers, they never know unless I write
' This is no declaration I just thought I'd let you know goodbye '
Said the hero in the story ' it is mightier than swords
I could kill you, sure, but I could only make you cry with these words'.
Belle and Sebastian in Get me away from here, I'm dying.
Das dores
Cospe um homem de estatura mediana que veste camisa azul à minha frente, deixando sobre a plataforma da estação Cinelândia uma micro poça de saliva e repetindo o gesto que acontecera três horas antes na calçada da Rua dos Andradas, quando um senhor já encolhido pelo tempo deixou seu cuspe sobre as pedras portuguesas.
Cospe uma moça de short jeans, blusa amarela e gorduras localizadas salientes ao atravessar o sinal em Botafogo. Cospe o rapaz de sunga do calçadão num doce (e babado) balanço a caminho do mar, cospe um sujeito que carrega uma mochila pesada perto do posto de gasolina na Barra e é sempre: encher os pulmões e a boca e despencar pelo passeio público a baba incontida que deve carregar consigo alguma espécie de libertação. Deve haver algo de exorcismo numa cusparada, deve haver algo de transgressor, deve ser o exato oposto de engolir sapo, deve ser descarrego de tormentos e, portanto, cogito amanhã bem cedo dar uma bela e vigorosa cusparada em algum ponto da Nossa Senhora de Copacabana, de preferência bem no meio da cara de alguém que mereça.
Do suor
O prenúncio do carnaval é a praia do feriado em que não há vagas, água ou queijo coalho possíveis. Escafedem-se os espaços na areia, as ondas invadem pernas, cangas e bolsas esquecidas e o mar é redenção. Brilham os torsos nus dos jogadores de altinha, anarquizam a beira do mar as crianças, solidarizam-se as gentes apertadas e organiza-se a lista de espera do guarda-sol enquanto alguns sonham com cachoeiras, outros com piscina, outros com estação de esqui. O gesto de devolver os óculos ao topo do nariz é repetido cerca de 40 vezes por minuto, o menor cabelo desconforta, o galão do mate ofusca os olhos e já não se pode ir pra casa antes das quatro da tarde, quando começa a baixar o sol, a dispersão do aglomerado, quando se pode, então, esticar-se, cochilar, morrer de rir.
Dos vôos
Repousam no batente da janela os óculos enquanto deslizo pelo chão meus pés, e desenho em madeira giros e saltos e é como cachaça ou heroína, porque é transporte pra qualquer lugar. Fica jogada num canto da sala a blusa úmida, fica esparramada e delirante a pessoa ao fim da aula, fica a ressaca no carro no caminho de volta pra casa. Fico existencialista e dona de tudo o que é meu: joelho, ligamentos, pescoço, mãos, tornozelos, impulsão, tesão, calma, pausa, ataque,articulações e o melhor: pulso.
Dos laços
Emperram-se muito facilmente os zíperes de vestidos sem uso, amarelam-se as sedas guardadas e a linha sempre arrebenta na última agulhada, impossibilitando o nó que segura a costura, desatando mágoa e lamentos engasgados. Solicito consertos para os sapatos, que precisam de novas solas depois de tanta chuva. Escapam-me as vontades de tentar indiferença, de achar normal, de dizer: tchau, e entrego-me a perder as estribeiras.
Volta, que se você voltar eu prometo que dessa vez eu fico.
::
Washing against the lonely tenement has set my mind to wonder
Into the windows of my lovers, they never know unless I write
' This is no declaration I just thought I'd let you know goodbye '
Said the hero in the story ' it is mightier than swords
I could kill you, sure, but I could only make you cry with these words'.
Belle and Sebastian in Get me away from here, I'm dying.
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