sexta-feira, julho 16, 2010

O dia em que engasguei cantando um refrão do Bon Jovi

Disciplinei meus pensamentos pra que eles viessem à tona naquela terça-feira. Primeiro porque ia chover, e angústia combina mais com céu desabotoado que com sol. E depois porque eu sabia que tinha um percurso longo a ser feito de carro, onde há anos dedico-me a cantar e a debater assuntos: em voz alta, com fervor, sozinha.

Preparei-me pra ida ser apenas o ensaio da volta, afinal eu dirigia-me a compromissos profissionais, onde não podia chegar destrambelhada, o que ocorreria caso alguma canção me pusesse a chorar. Evitei o caminho da praia e escolhi uma lista de músicas segura onde a cantoria fosse apenas digna de final feliz, e concentrei-me nas resoluções (agora) tolas: que iogurte também é leite, e portanto deve ser cortado; que gostaria de ter um par de cada cor do modelo dos meus óculos novos; que preciso investir mais que R$4,00 num xampu. E que preciso, oras, decidir um time de futebol pra chamar de meu.

Foi aí que começou o drama. Por sorte eu já estava na recepção, concentrando-me agora nas coisas sérias do trabalho, crachá na mão, atenta às placas das salas, ufa, é aqui. Interrompi qualquer divagação, fiz cara de simpática e fingi que entendia tudo de novela.

Depois de mais de seis horas de encontros eu estava de volta ao carro, confusa porque a praia da Macumba parecia a maior extensão de areia do planeta, enquanto que a orla da praia da Reserva teimava em não acabar, indiferente às minhas investidas no acelerador. O dilema, então se apoderou de mim, e da seleção musical que agora acontecia em shuffle, descontrolada. Me vi frente às seguintes considerações: não era possível a essa idade tornar-me flamenguista, que pra isso precisava ter vocação. E Vasco, bem, era impossível ser vascaína, por todas as razões óbvias que envolvem um ex-namorado e um time que não sai da condição de vice. Verdade seja dita que meu espírito competitivo se esqueceu em algum lugar distante, mas minha tolerância para piadas futebolísticas é baixíssima.

E mais essa. Torcer pra um time de futebol significa que você tem que interagir e enfrentar as risadas e coisas do tipo? Faz parte do jogo?

Pensei no Botafogo, que adotei em algum momento da vida, e guardei por alguns anos uma camisa no armário. Foi a segunda das camisas esportivas que ostentei, sendo a primeira a que levava o número do Romário e que foi exaustivamente usada na Copa de 94, e a terceira uma camisa de remo do Vasco usada nas aulas de surfe. Ok, pano rápido, pula parágrafo.

Daí que só sobra o Fluminense, que muito me seduz, porque acho o conceito todo do time super vintage. Treinos em Laranjeiras cercados por palmeiras, as cores da camisa. Mas será que são argumentos suficientes pra sustentar uma escolha dessa importância? Começo a achar que não se pode ser torcedor impunemente, da mesma forma que não é possível, do dia pra noite, querer que a Mocidade de Padre Miguel ganhe o Carnaval. São escolhas que envolvem convicções, critérios, afinidades.

Estou sendo dramática?

Chego à praia da Barra desordenada: aflição me consome, cheia de indecisões, diante dum impasse. Como é que eu posso resolver o que fazer com as minhas dores de amor se não consigo nem resolver que camisa vestir? Como pode ser possível escolher profissão se não consigo decidir em que lado da arquibancada quero estar?

É assim, diante desse retrato que agora parece tão claro, que entro no túnel em direção a São Conrado e o ipod explode em guitarras, e mesmo que a música não tivesse nada a ver com a questão da torcida (e realmente não tinha), tudo convergia pra um desabafo em choro. Numa tentativa de retardar as lágrimas, enchi os pulmões e comecei a cantar o refrão: ooooh we're half way there, ooooh living on a prayer. Take my hand and we'll make it, I swear... Mas em vez disso engasguei, e num acesso de tosse achei que morreria sufocada sem assumir uma posição, umazinha que fosse, e num nervosismo crescente estendi o engasgo até a porta de casa, sem mais saber se a música era a mesma ou se uma sinfonia de Beethoven tentava em vão me apaziguar.

Meus olhos lacrimejantes e esmagados em meio à tosse avassaladora clamavam por um tapa nas costas. Inundada de água e ar fresco, e respaldada pela futilidade das minhas atividades, achei que poderia usar como único argumento a estética, e estava prestes a anunciar aos quatro ventos que era a mais nova integrante da torcida fluminense quando o Mauro se meteu na conversa e contou uma história tristíssima sobre o time. A Ritinha por sua vez, mandou um email um pouco revoltado sobre o assunto, apresentando queixas consistentes pelas quais eu deveria descartar os argumentos do Mauro.

No dia em que engasguei cantando um refrão do Bon Jovi eu xinguei esses dois por terem tornado a minha escolha tão mais complexa do que parecia, morri de saudades da Copa do Mundo e decretei: sou América desde criancinha.

5 comentários:

Rita disse...

Ju, em primeiro lugar, farei um relato completo sobre nossa linda história pessoalmente. Aliás, se quiser, preparo até um powerpoint. Aproveitarei para explicar exatamente as "vocações" necessárias a um flamenguista.

Outra coisa, gostei da ordem da conduta do raciocínio, pois pensando em termos evolutivos, é exatamente essa: Flamengo, Vasco, Botafogo, e finalmente, quando se evolui de fato, Fluminense!

Dani Meres disse...

"que gostaria de ter um par de cada cor do modelo dos meus óculos novos" - não tô dizendo ;-)

FULANAS MULTIMARCAS disse...

Hahaa, esse comentário da Ritinha tá demais....prepara o powerpoint ai !

betagermano disse...

hahaha.

Pára com esse papo de América...

Assume logo que é flu, twin!É vintage, é cool, é o time do Chico.

Beta disse...

A parte ruim de torcer para o América, é que vc terá que se dedicar. Já que raramente ele é manchete de jornal. Se torcer para qq um dos 4 grandes terá informações de fácil acesso.
Ou vc que apenas um nome de time para chamar de seu? Pq aí não é torcer.
Eu sugiro escolher o mesmo time do seu pappy. Assim fica uma escolha de tradição pela família.
Ou se quiser ir para o maraca com a Guzinha é fácil: Flamengo. E por enquanto vocês duas o memso conhecimento do time do coração :P