domingo, julho 11, 2010

Vestígios

As gotas de suor que marcavam o chão de linóleo da sala de dança, aqueles fios de cabelo que grudavam na nuca em questão de minutos, pensar que o mundo estava de cabeça pra baixo, rodar pela diagonal e se apoiar na barra ao final de uma série de piques, bater palmas ofegantes, pegar a blusa que ficou empapada esquecida a um canto da sala, gostar de gatorade às 21h15 de segunda-feira no verão: uma saudade avassaladora de chegar em casa depois da aula de ballet, deitar no chão com as pernas pra cima, entrar no banho e cantar Alanis Morissette embaixo do chuveiro.

Saudade imensa de 14 graus em outubro, vestido novo com meia grossa, trenchcoat emprestado, inspirar e expirar de olhos fechados mais uma vez antes de abrir a porta antiga do prédio, os ecos do salto atravessando a Rue de Mezières até qualquer café na esquina, uma mesa apertada que encoraja nosso encontro, sentados na vitrine sem querer saber das ruas, o caminho de volta, beijos urgentes imprensados na parede, mistura de suspiros, subir os 6 andares de uma escada atapetada refazendo mentalmente todo o percurso que me fez cair naqueles braços: cair naqueles braços.

Ler pela primeira vez as linhas 12, 13 e 14 da página 31 de um determinado livro e ter uma retumbante certeza de que é possível guardar deslumbramentos em prateleiras. Saudade doída de escutar o Bolero de Ravel pela primeira vez e me sentir suspensa.

Trança no cabelo, frio de julho na beira do mar, fechar o zíper nas costas do macacão e sentir gelar toda a espinha quando as primeiras espumas de onda batem no pé. Remar com os braços aflitos, achar o equilíbrio e deslizar suavemente, guardar essa saudade de entender o fim da linha e se jogar pra trás, espatifar-me n’água, buscar a areia, deitar sobre a prancha e ter uma certeza retumbante de que presente bom é fitar as nuvens sem se importar com o tempo.

Perceber-se apaixonada e tentar conter aquele sorriso bobo que não respeita horários, caramba!, que saudade que dá de gostar mais de tudo, de demorar a dormir, de ter uma fome de banquetes, de ter um abraço esperando, de poder beijar sem parar.

Uma saudade que me atravessa, impiedosa, de saltar do carro para abrir o portão, pisar descalça na grama e avistar os cães correndo em minha direção. De ver as marcas das patas imundas sobre minha camiseta tão branca. De estender toalha de pique-nique, folhear o jornal, lembrar do repelente depois de dois ou três mosquitos, adormecer escutando as vozes dos amigos, contar flores nas copas das árvores. Saudade tão forte de correr e pular pra dentro da piscina, de se apoiar em bóias e fica à deriva, da sopa em frente à TV, dos ruídos de lenha queimando na lareira, do ranger da rede. Essa saudade que me alucina: do cobertor que provocava espirros, daquela casa, de nossos dentes manchados de vinho, de dormir só no dia seguinte, daquela parte da estrada onde as árvores, pareciam, nunca iam morrer.

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