VIII.
Eu me suicido toda vez que tento entrar numa agência do Banco Itaú porque nunca consigo passar da porta giratória, e nem mesmo de quaisquer outras portas que existam pelo caminho. É dar um passo à frente que a porta giratória trava, eu esvazio a bolsa sob olhares que me acusam de crimes gravíssimos e nunca cabe no recipiente toda a quantidade de chaves, os dois telefones, as duas câmeras fotográficas, os dois reais separados pro flanelinha, tanto plural. Suo frio até chegar ao caixa e ali, frente ao sorriso benévolo que me absolve, digo ao gerente que se dane, não quero mais. Encerro a conta, aperto a bolsa mesmo que o saldo seja negativo e numa correria dou de cara no vidro, espatifada me enterro no chão e pronto, fico morta pra não encarar o segurança que arrasta meu cadáver pra fora.
IX.
Eu me suicido toda vez que percebo que já te esqueci, porque às vezes o seu cheiro podre de decomposição me invade e eu percebo que já não sonho mais, já não penso mais, já não faço esforços para descomplicar as coisas que complicamos, já não relativizo, não perco mais o sono, não procuro entender ou ponderar ou adivinhar ou escrever ou inventar sozinha qualquer coisa que permita ainda conjugar “nós”, e me vejo frente a tanto silêncio, escassez de gargalhadas, tanta maturidade e vazio, e então te puxo pra perto de novo só pra me suicidar, porque sinto saudade de construir castelos, refúgios, abrigos, abraços, tanto plural. Eu me suicido toda vez que te esqueço porque não sei o que fazer com o que vem depois e com todo o espaço ao redor, esvazio vidros de medicamentos e agonizo sozinha, a baba escorrendo, e apodreço esquecida, meus restos de carne expostos sendo lentamente devorados por insetos que nunca param de aparecer.
X.
Eu me suicido toda vez que resolvo ler uma biografia, porque putz grila!, haja gente pra não se suicidar no mundo.
3 comentários:
O suicídio diário é como se desprender da morte, mas de maneira honesta e politicamente incorreta. Uma licença poética, que, fatalmente, nos empurra para o precipício literário. Morramos!
Muito legal seu blogue, Julia. Intimista e bem interessante.
obrigada, Alfredo! Volte sempre!
"Nós nos suicidamos em cada palavra palavra que pronunciamos;e no entanto não podemos viver sem falar(...). A vida é um problema de linguagem."
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