quarta-feira, agosto 04, 2010

Nessa data querida

Fernando Gusmão me enviava cartões de felicitação todos os anos, sem deixar passar sequer um dos meus aniversários. Sua atenção ia além, e ele fazia também sua secretária me telefonar para dar voz a seus mais sinceros desejos de felicidades e realizações pessoais. Mesmo quando o meu dia caía num fim de semana o telefonema acontecia: na segunda-feira de manhã ela se desculpava pois o gabinete não abria aos sábados e aos domingos. Fernando Gusmão me estimava a ponto de se desculpar por não poder telefonar no dia correto do meu aniversário. Fernando Gusmão era bem mais atencioso que muitos dos meus (agora) amigos de facebook, que muitas vezes esquecem de olhar o calendário feito exclusivamente para que não sejam esquecidos aniversários de gente da minha importância.

Confesso que demorei a me recuperar do baque do primeiro ano em que o cartão de felicitação de Fernando Gusmão simplesmente não apareceu. Assim mesmo, Fernando Gusmão me cortou de sua lista de pessoas a serem parabenizadas, cortou meus cartões de aniversário e cortou os telefonemas à minha residência: eu nunca mais ouvi a voz de sua secretária, ela nunca mais se deu ao trabalho de se desculpar pelos fins de semana em que não pode me desejar saúde-amor-amigos e eu fiquei pensando que “o problema não é você, sou eu”, afinal certamente o Fernando Gusmão devia ter descoberto que eu nunca tive a intenção de ajuda-lo nas eleições, e parou de lutar pelo meu voto.

Tão repentino quanto o sumiço de Fernando Gusmão foi um 21 de agosto em que aterrissou sobre minha mesa um cartão comemorativo endereçado a mim e assinado pelo Sergio Cabral, o que explicava muita coisa: alguém da minha estirpe não poderia continuar recebendo cartões de um mero deputado quando o governador me felicitava. Era uma questão política, oras, simples assim.

Minha surpresa foi que os cartões do Sergio Cabral duraram somente um inverno, e no ano seguinte fiquei à espera do que o Lula pudesse me escrever. Poucas vezes me vi tão ansiosa, afinal, na linha de sucessão, ele era o próximo. Eu queria correr ao gabinete do Fernando Gusmão para esfregar-lhe na cara o cartão do presidente da república, para dizer-lhe que não precisava mais de suas frases reduzidas de deputado, ou, enfim, fazer isso tudo diante da secretária. Mas não era culpa dela, tenho certeza de que ela continuaria me telefonando todos os anos, com ou sem cartões adiantados, não fosse o fato de que Fernando Gusmão me deletou de sua agenda telefônica. Fato é que o cartão do Lula nunca chegou, o que me fez adotar uma postura de extrema direita.

Então é agosto de novo, eu me contento com os cartões impessoais que me oferecem 10% de desconto (da ótica, da loja de sapatos, nunca da Livraria da Travessa, que nem sabe o dia em que nasci) e abro animada um envelope verde que me chega via E.C.T para ler a poesia que nem Vinícius de Moraes escreveria: “A vida guarda muitas coisas para você viVER!!!”. Assim mesmo, com caixa alta no final e três exclamações, e cujo remetente, adivinha? é a clínica oftalmológica.

Ainda não sei bem onde foi que perdi a piada.





:: "What do you want me to do, to watch for you while you're sleeping? Then please don't be surprised when you find me dreaming too." The Greatful Dead in Box of Rain

4 comentários:

Leticia Wahmann disse...

hahahhahahah !

M.Knox disse...

Ao menos ainda recebes cartões de aniversário!muito bom!!!!!

M.Knox disse...

Como assim? seu comentário foi salvo e será exibido após a aprovação do proprietário do blog?que isso Hair?onde está a liberdade de ir e vir dos seus leitores?Vê se gente famosa faz isso?querem todos os cementários!arf!!!!!

Gregorio Mefisto disse...

Menina, é por causa de gente como o Gusmão é que nós, pessoas, existimos. Gente como o Gusmão, Cabral e até o Lula (digo até, porque, apesar de tudo, gosto do cara, fazeroquê), são projeções metafísicas, que só existem por causa de nossa falsa cidadania. Existem pelo fato de nós sermos o que não somos. Se o síndico do seu prédio não lhe dá nem bom dia, por que o síndico do Estado do Rio de Janeiro lhe saudava durante o inverno? Tá estranho, não? Não sei me fiz entrever, mas política me dá nos nervos, Julia. Mesmo lembrando dos nossos (agora, para eles) aniversários.

Beijos!