terça-feira, novembro 09, 2010

Migrações


(para cinco ou seis pessoas que me ensinaram a dançar)

É uma coleção de adeus temporários, desconfiança e temor de que um dia seja definitivo, piruetas cada vez mais sem eixo, desequilíbrios, braços que se atrapalham no ar. Há muito que deixamos de escrever nomes e inventar pessoas com os pés, nos últimos anos a gente substituiu a enorme seqüência de saltos por alongamento, xingou todas as gerações passadas e futuras tentando melhorar o posterior de coxa e carimbou os cotovelos de roxos e rolamentos quase senis.

Ficamos velhos. Não aquela velhice dos anos que passam, não aquela cronologia lógica do tempo, mas outra, ferrugens que se alocam nas engrenagens mais especiais, as que faziam minhas pernas parecerem infinitas, as que faziam minhas mãos parecerem sublimes. Ficamos tontos. Giros toda terça e quinta, ensaios e contagens confusos, poesia pra delinear o espaço, frases tão bobas que nos faziam dançar: sopros, setas, músicas, fechar de olhos, pausas, qualquer estímulo, no fim aquele sofá, uma lata de coca-cola gelada ou outra contravenção.

Ficamos tão distantes... Ceará, São Conrado, Barra da Tijuca, Copacabana, NY, até a Gávea agora parece um país para o qual não tenho visto ou passaporte. Não sei me entender sem as pedras, sem uma ou duas faixas arranhadas daquele disco, sem o chão que de repente deixou de escorregar, sem os tapetes que protegem o cóccix.

Ficamos tão magros, criamos joanetes, eu tirei os óculos e agora nem sei onde te procurar. Ficamos abandonados de todas as coisas que eram nossas e agora parece que falta gente pra entender minhas piadas. Falta gente pra você? Te faltam descontroles?

É uma sucessão de lutos. Eu nunca quis todos os recomeços que busquei, eu encontrei o lugar onde queria estar desde muito cedo, segui porque foi tão fácil encontrar casa em outras vozes e deslocamentos, tão natural e confortável, sempre obedecendo as ordens que eram dadas depois do tchau: continua. Sempre a mesma recomendação dada em tons semelhantes de fascínio. “Não pare” mais uma vez. Mas foi ficando tão mais complicado, as possibilidades foram se esgotando, os intervalos se alargando e quando me vi tão suada e só, tão sem todos, eu parei.

2 comentários:

Leticia Wahmann disse...

Esses blogs deveriam ter a opção "curti" também !!!!

Antonio Ortiz disse...

Acho que os comentários são geralmente vazios... e o vazio me dói, mas não posso deixar de te dizer que li e gostei de tua prosa poética de intensa sensibilidade.