À minha frente a pequena tela da TV individual oferecida pela Air France exibia o itinerário do vôo, a temperatura externa, a previsão de chegada ao destino, o restante a ser percorrido: 45 minutos. Todos nós, ligeiramente amassados, nos inquietamos um pouco em nossas insuficientes cadeiras da classe econômica. Meu vizinho, que passara o vôo todo dormindo sem nem sequer levantar para fazer xixi, pareceu despertar com a ansiedade de pousar em Paris e seguir até a China, seu país natal. Os brasileiros sentados na fila detrás estavam maravilhados com a possibilidade de ficarem horas no Trocadéro até que a foto saísse perfeita: mãe amparando a Tour Eiffel de um lado, filha do outro.
Eu sonhava com o todo o curry que Londres me reservava. Com Kebabs. Com Camdem Town e todas as camisetas que eu compraria. Com o momento mágico em que eu sairia à superfície e veria as luzes de Picadilly Circus. Com Kensington: eu sonhava com Kensington e com um pint de Guinness.
Eis que então o comandante anuncia que a neve nos impedia de seguir adiante, e que faríamos um pouso em Nantes para aguardar as novidades do Charles de Gaulle. Meu vizinho só entendeu quando o comunicado foi traduzido pro inglês, sorriu amarelo pra mim e aproveitou pra cochilar mais um pouco. Uma vez que o avião estava em terra firme e que comissários e comissárias não sabiam nada além de que a temperatura externa era de 12 graus, resolvi eu também dormir. E dormimos todos, por horas e horas até que o comandante anunciou que o Charles de Gaulle estava pronto para nos receber e que seguiríamos viagem. Comecei a ficar tensa aí: Nantes e a neve me fariam perder a conexão pra Londres. Eu podia vislumbrar minha mala rodando sozinha na esteira de Heathrow. A Cissa telefonando pro aeroporto pra saber se o vôo estava dentro do horário previsto.
Oh God.
Eu nunca cheguei a Londres. Durante as quase 48 horas que demoraram pra que eu chegasse a Paris, três versos do Morrissey ficaram ecoando na minha cabeça: “and still we say / come back, come back to Camden / and I’ll be good”. Eu dizia calma, estou indo. Mas não estava.
Saímos do avião, buscamos as malas na esteira em Nantes, entramos num ônibus que nos levou a um hotel próximo ao aeroporto. Sim, viramos primeira pessoa do plural quando o comandante, logo após termos apertado os cintos para a decolagem, anunciou que estava “desolé” e que não poderíamos ir a Paris. Os franceses adoram dizer que estão desolés. Acho que é parte da cultura deles, algo como “vamos tomar um chope um dia desses?”
E foi no ônibus que o surfista húngaro entrou na história. Ele perguntou se eu falava inglês e começou uma conversa de amenidades que logo ficou bastante chata, mas àquela altura eu já tinha fugido de uma brasileira chatérrima, do meu vizinho chinês e não podia me dar ao luxo de desperdiçar companhia. O surfista húngaro era louro e parecia saído do Surf Adventures, ou do catálogo da Redley, ou sei, lá, da Califórnia, menos da Hungria. No trajeto do aeroporto até o hotel, uma parte da vida do surfista híngaro se revelou: casara-se com uma brasileira que trabalha no Leblon, na Oi, sabe? Dividia seu tempo entre surfe e kitesurfe, na Barra, perto do Pepe, eventualmente no posto 4, porém lá as pessoas não eram tão bacanas. Morara 4 anos em Dublin, para onde retornava agora pra um curto período de férias e natal, e antes disso vivera em Estocolmo. Habitava, agora, a Tijuca, porém anunciou que se mudaria para o Recreio com a mulher. Eu mal tive tempo de desejar boa sorte à mulher no trânsito e o surfista húngaro que mora na Tijuca começou a contar que vai começar a trabalhar na H Stern e que portanto terá menos tempo para surfar e kitesurfar. Não me atrevi a pensar que ele era chato, não nesse momento.
Dia seguinte, café da manhã às 4h, partida pro aeroporto em comboio às 4h30. Na fila do check in o surfista húngaro que mora na Tijuca veio perguntar se eu havia dormido bem, eu disse que sim, me arrependi de te-lo julgado mal e encarei uma hora e meia na fila. Passei pelo raio-x e vi um tumulto no portão de embarque. Ao pedir informação pro mocinho da Air France, o mesmo orientou que eu buscasse minha mala. Eu disse que acabara de deixar a mala no check in, ele disse que eu pegasse a mala e eu achei que não estava mais entendendo a língua local quando ele informou que o vôo havia sido cancelado, e eu perguntei de novo?? E ele disse “desolé” e era mais do que nítido que ele não estava desolé, en fait, ele não poderia se importar menos com o fato de que Camden, Kensington e Guinness ficavam vez mais distantes.
Pegamos as malas de novo, eu, o vizinho chinês, a brasileira chatérrima, o surfista húngaro que mora na Tijuca e dessa vez fomos informados que a Air France nos levaria de ônibus para o aeroporto de Paris. A previsão era de seis horas de viagem. Todos nos aglomerávamos em frente aos ônibus que esperavam do lado de fora, pessoas acenavam tickets para os motoristas, malas eram forçadas para dentro dos bagageiros e nessa hora tudo parecia um filme onde as pessoas precisavam fugir da guerra e só restavam aqueles ônibus. Até o surfista húngaro que mora na Tijuca virou um bárbaro (ou um viking?) e deu as costas a mim e a todos, garantindo o lugar da sua mala sem se importar com os exilados à sua volta.
Uma vez instalados no ônibus, prontos para a partida, eis que um novo e salvador personagem entra na história. Tomás anuncia que está “desolé” e que não partirá no ônibus conosco, que seu pai informara de Paris que as estradas estavam cheias de neve e que a viagem demoraria no mínimo 9 horas, e que Tomás, que realmente devia estar desolé e não fez uso da palavra à toa, pegasse um trem imediatamente. Um burburinho se forma ao redor de Tomás e eu vou atrás averiguar. Em 10 minutos ficamos reduzidos a um grupo de quatro: e assim, liderados por Tomás, Lilia, Jerome e eu desertamos.
(a seguir cenas do proximo capitulo: Neve, Nantes, Rue de Rennes e outras obs)
5 comentários:
Viva o Tomás !!!!
Julia, que história!Aguardo continuaçao.Bjs,Glaucia
tb tô esperando os próximos capítulos.
saudades.
Para quem recheia de bons textos varios de meus mais monotonos dias de trabalho, uma boa sorte nas ferias e um excelente 2011 (mais excelente se com mais textos seus)!
segundo capitulo no ar. Obrigada, Gustavo, bom ano pra vc tb, sem neve!
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