(ou: sobre como a Amazon pode ser um braço da CIA)
Eu desconfio da tecnologia e das modernidades do meu tempo, e demoro mais que todo mundo pra me adaptar. Acho um horror os celulares em cima das mesas de chope, tenho ojeriza ao BBM que nos rouba as pessoas do mundo real e ando até com dificuldade de acreditar em fotos. Acho incompreensível a horda de gente que percorre o MoMA disparando câmeras de celular dos Matisses sem nem olhar pra tela da pintura, e também não vejo sentido em fotografar incessantemente shows – a música está ali, tem coisa melhor do que dançar ao vivo?
Eu sou do tipo que ainda coleciona cds e estou ciente de que corro o risco de ficar ultrapassada. Minha câmera de retratos é analógica e recentemente comprei uma polaroid genérica (Fuji). Não me lembro quem, há pouco tempo, perguntou se eu era de outro século, eu disse que sim.
A contradição fica por conta dos dois i-pods que chamo de meus. Não é culpa minha, ambos foram presentes de mãe e pai, e esse poderia ser o único episódio típico de pais separados em guerra pelo amor de uma filha. A história, porém, é bem diferente, e bem menos emocionante. Diante do fato de ter dois i-pods, eu tive que sucumbir e encarar o mundo de torrents, downloads e afins.
A angústia que o conceito do i-pod me causava era a mesma que a minha câmera digital despertava: pra que tanto? Eu mal terminava de ouvir uma faixa e já passava adiante ao saber que aquele aparelho carregava o equivalente a mais 5,4 dias de músicas. Mal enquadrava uma paisagem e já me sentia compelida a registrar qualquer outra imagem. 500 fotos eram facilmente feitas em um fim-de-semana na Bahia. Era mais tempo olhando a tela da máquina que comendo acarajé.
Depois de muitos meses de luta e adaptação, levantei bandeira branca pro i-pod. Meu método talvez não faça sentido, mas tem funcionado. O i-pod amarelo recebe apenas os downloads novos de determinada semana. Eu não baixo nada inédito até ter escutado tudo aquilo. As músicas e discos aprovados seguem, então, para o i-pod verde, o amarelo ganha novos sons e assim sucessivamente. No fim dá no mesmo, eu continuo angustiada porque a lista de músicas que gosto de ouvir só aumenta. Mas me engano um pouco, e graças a esse esquema já parei de tomar ansiolítico. Como nem tudo é perfeito, acabo comprando pela Amazon alguns discos, pra ter certeza que parte de tudo continuará existindo caso eu seja assaltada.
De posse de um cabo que conecta o i-pod ao som do carro, a relação melhorou ainda mais. Pela orla, de vidro abaixado, eu começo a amar Os Mutantes e danço de me acabar com a lista de Prozac Songs.
Até que um dia, percebo: meu i-pod é sensitivo.
A explicação é bem simples: eu voltava do Centro, pela praia de Ipanema, e o i-pod estava no modo aleatório. Eu pensava na saga que havia travado com o ingresso.com na madrugada anterior por conta do show de Paul McCartney e de repente escuto os primeiros acordes de Band on The Run. Por motivos óbvios, pensei na Ritinha, e a próxima música foi uma que descobrimos juntas um dia qualquer em que comíamos cachorro-quente. Espantada, continuei: era pensar nos amigos e em todos que tinham participado efetivamente da minha vida naqueles últimos dias que suas músicas tocavam. Era batata!
Fiquei obcecada pela teoria que começava a desenvolver mentalmente. Bati de carro e, catatônica, desliguei o i-pod. Jurei que nunca contaria a alguém que meu i-pod adivinha humores, pensamentos e gente. Era inverossímil demais, e certamente deveria haver qualquer justificativa para tudo aquilo, e ela não devia ser astrológica, emocional ou desvairada.
Vida que segue. Até que, numa quarta-feira de manhã, numa semana cheia de emoções fortes, abro um e-mail da Amazon, que gentilmente me sugere comprar 8 cds, 5 dos quais eu havia baixado na semana anterior. Meu queixo caiu. Eu sei, deve haver uma explicação racional envolvendo bits, cookies, número de ip ou coisas que o valham, mas no meu mundo avesso a tecnologias, eu ainda lido com espiões secretos e investigações sigilosas que envolvem negativos e envelopes com fotos, lupas, trench-coats e chapéus Fedora. Eu não hesitaria o palpite de que o e-bay é o próximo site a me investigar, e não levantaria a sobrancelha ao descobrir que o Juveny, que consertou minha Pentax, é o agente secreto de tal missão. Nesse mundo, há que se desconfiar de todos.
Como disse a minha prima, que também crê que estou sendo perseguida: eles estão nos espionando. Espero que gostem de nós.
Um comentário:
Juju, o shuffle do meu iPod também tem capacidades sensitivas, FATO.
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