Para Bebel
- E então, como você está? Como foi tudo?
- Estou achando tudo bem mais complicado do que imaginei que ia ser.
- Demora pra entender, né? Pra passar mais ainda.
- Muito.
- E não tem indenização...
- Não tem... Acho que levei umas cantadas na saída do cemitério.
- Como assim?
- Assim mesmo.
- Mas é permitido?
- Bom, que eu saiba não é proibido...
- Mas é meio bipolar, não acha? O cara se acaba de chorar e de repente vira pro lado e te passa uma cantada?
- Completamente.
- O que ele disse?
- Ele era o Paulão. Ou Carlão, nunca sei.
- Quem é esse?
- O da natação, falei dele outro dia, lembra?
- Ah claro, o Paulão! Que puxa assunto com você no elevador, né?
- Esse.
- Ele te canta de manhã vestindo touca e também no cemitério? Esse cara te ama!
-Ele me cumprimentou e eu demorei pra entender que ele era ele. E de repente ele diz “estamos aí, dentro e fora das piscinas”. Não sei se foi uma cantada, mas dado o histórico do sujeito...
- Ele estava com cara de sedutor?
- Estava. Acho que sim. Eu estava meio embaçada, não deu pra ver direito.
- E você não correspondeu?
- Eu não estava lá muito em condições de corresponder a muita coisa. Mas não, definitivamente. Paulão ou Carlão não me convence.
- E depois?
- Depois eu fui apresentada pra alguém, achei que era uma coisa de praxe, sabe quando você chega num grupinho e tem um cara desconhecido e um amigo te apresenta?
- Sim.
- Aí na missa de sétimo dia eu fui descobrir que não, que tinha sido apresentada pro fulano porque ele me achou interessante.
- Meu deus! Você é a musa dos velórios!
- Acho que sim.
- Um pretinho básico não é um pretinho básico à toa, afinal!
- Acho que não.
- Já que a gente ta falando disso, eu queria conversar com você.
- Sobre a Chanel?
- Não boboca, sobre o meu velório!
- Fale.
- Jura?!
- Juro, ué.
- É que já tentei essa conversa com o Simon mas ele nunca quer me ouvir, e sinto que preciso passar as instruções pra alguém. É sobre a minha partida. Eu quero ser cremada.
- Ah eu também.
- E não quero que as minhas cinzas fiquem no cemitério. Quero que elas sejam espalhadas por vários lugares: Rue de Rennes, Palais Royal, na minha Barra da Tijuca... onde mais?
- Bon Marché? Cherche Midi?
- Boa, ali na calçada! Em frente à National Portrait Gallery. Não me deixa apodrecer no cemitério, pelo amor de deus. Eu quero ser cremada, Jules! Promete?
- Prometo. É bem mais higiênico.
- E minimalista também.
- Mas será que vão me deixar embarcar com suas cinzas no avião?
- Claro que vão.
- Será que eu ainda terei condições de viajar de avião?
- Claro que vai.
- E se eu estiver esclerosada?
- Se bem que com essa sua coluna aí...
- E se eu morrer antes?
- Você não vai morrer antes porque você vai ter que falar no meu funeral.
- Tipo um discurso?
- É, todos os amigos vão ter seu momento. Você, Beto, Carol...
- Pfff, a Carol no seu funeral, essa eu quero ver. Quer dizer, não quero, prefiro morrer antes de você. E é melhor também você passar essas instruções pro Marcelo, que é mais novo e tal. De repente ele canta no velório.
- Fantástico. Será que a gente consegue a Beyoncé pro meu funeral?
- Acho que você ta sonhando muito alto.
- Tradução simultânea vai ser necessária. Cada um que chegar vai ganhar um fone. O Fred pode fazer meu cabelo. Temos que pensar em alguém pra fazer a maquiagem.
- E o figurino?
- Meu vestido Lanvin.
- Você vai entrar no forno usando um Lanvin?
- E meu batom coral.
- Sou contra.
- Mas o batom coral me cai como uma luva...
- Sou contra queimar o Lanvin. É uma heresia.
- Tenho que pensar em mais lugares pra espalhar minhas cinzas. Onde você quer que joguem as suas?
- Tanto faz, acho que pode ser numa praia qualquer.
- Que desapego, Jule!
- Desapego é cremar o Lanvin. E de qualquer forma, pelos seus planos, você já vai estar morta quando chegar a minha vez.
- Vai sobrar tudo pro Marcelo. É melhor eu ter essa conversa com mais gente, pra ele não ficar sobrecarregado. Vai ser lindo! Marcelo cantando e você lá fazendo os corações idosos suspirarem.
- Haha acho que não. Será que a gente morre e se encontra de novo em algum lugar? Eu ficaria mais tranquila sabendo que a gente ainda se vê de novo. Que de repente dá tempo de dizer pros outros o que a gente nunca disse aqui. Que de alguma forma a gente consegue remendar umas coisas.
- Você acha que deixou de dizer coisas pra ele?
- Tenho certeza que sim.
- Você acha que teria sido diferente?
- Às vezes acho que sim. Outras vezes acho que foi do jeito que poderia ter sido. Mas ficar com essa dúvida é uma corrosão.
- Acho que é assim, Jules, com todo mundo. Mas não conforta muito saber, né?
- Acho que não.
- Posso fazer alguma coisa?
- Pode. Morrer depois.
- Eu morro antes e isso é inegociável.
- Então me faz rir muito até lá?
- Prometo.
- Te amo.
- Eu também.
8 comentários:
Fica tranquila que vai ser servido pacotes de oreos para os convidados!
Tá demais esse papo ! Tinha que ser coisa da Bebel !!!
Sensacional. Essa conversa é o tipo de conversa que eu teria, e esses são problemas típicos dos meus pensamentos cotidianos. E nem conheço a Bebel, mas entendo a agonia e simpatizo. Prometo que se eu estiver por aqui ainda me esforço pra supervisionar e garantir que seja tudo ela quer. Consigo inclusive a Beyoncée.
Musa de velório é uma metáfora?
é o meu novo emprego, Bruno Q.
Adorei o texto. Pedro W. me sugeriu lê-lo, e fiquei, mais uma vez, muito contente por testemunhar uma prova do seu talento! Regis
Regis, que honra! Seu elogio vale por muitos. beijo grande!
Muito bom Julia!
" Tradução simultânea vai ser necessária. Cada um que chegar vai ganhar um fone" .ahahah.
Nuno
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