Fiquei
muito gripada aquele mês, e no seguinte também, e no outro, e na quarta vez que
tive que avisar no trabalho que ia faltar, liguei pra homeopata pedindo
socorro, porque eu estava com medo de ser demitida por hipocondria, o que pra
mim dava justa causa e tudo. A homeopata, entendendo que além de gripada eu
estava no auge de uma alergia, me receitou Zyrtec, alopatia pura e tradicional.
No dia seguinte, no trabalho, tive que sair mais cedo porque o Zyrtec, apesar
de ter me feito voltar a respirar pelo nariz, me derrubou e quando acordei eu
estava dormindo em cima de um original da coleção Blanche da Gallimard. E nem
era culpa do romance. Zyrtec, concluí, era tão bom pra rinite quanto pra
insônia.
Esse foi
o início da minha desilusão com a homeopatia, porque se na hora do vamos ver a
médica me mandava um tarja preta da descongestão, então é porque até ela se
iludia.
Por essa
e outras, não recorri a ela quando me bateu uma ansiedade daquelas de
atrapalhar o sono. Maio virou e de repente as coisas começaram a não caber: as
coisas nos dias, as roupas em
mim. Quando junho chegou eu estava num tal estado de nervos e
num tal declínio estético que comecei a correr na esteira do prédio da minha
irmã, pensando que a medida extrema resolveria dois problemas. Então caiu nas
minhas mãos um livro de autoajuda pra editar, agradeci aos céus e perdi meu
i-token do banco.
Eu andava
comprando livros loucamente, pensava até em voltar pra análise pra tratar de
compulsão quando me dei conta de que o i-token tinha sumido há, pelo menos,
três dias. Por um lado era bom: significava que eu não encomendava livros desde
a sexta-feira, pois não teria conseguido concluir as transações internéticas de
pagamento sem o tal dispositivo. Por outro, era um pesadelo, porque a agência
na frente do trabalho estava com falta de i-tokens, a Rio+20 ocupava tudo e eu
não conseguia nem chegar até a Rio Branco sem ser abordada por todas as
militâncias possíveis, tentando angariar mais um pras suas causas.
Imbuída
de coragem e absolutamente necessitada de um livro sem o qual não poderia
concluir um dos 3 trabalhos acadêmicos sobre os quais me debruço há quatro
semanas, lá fui eu.
Quando a
mocinha do atendimento me deu um novo i-token, ela exclamou que eu ia gostar
muito mais desse novo modelo, que nem tinha nem botão pra apertar. Já fiquei
nervosa aí. Eu adoro botões. Grande parte da minha birra com tablets e
smartphones vem justamente do fato de eles trazerem em si a extinção dos
botões. Eu gosto de apertar. A tecla de espaço é uma das minhas preferidas. Quando
a mocinha do atendimento do banco que me deu um novo i-token disse que as
senhas apareceriam ininterruptamente no visor, mudando a cada sessenta
segundos, senti meu coração apertado, todo meu corpo tomado.
Mas
panicar mesmo eu paniquei depois que comprei mais um livro num site e deixei o
i-token sobre a mesa, e quando percebi o desespero que aquele aparelhinho
ligado para sempre me causava. Ter o
novo i-token do banco é como usar um relógio de ponteiros que não te deixa
esquecer o tempo nem por um segundo. É um horror.
Eu não
telefonei pra homeopata pra falar da ansiedade provocada pelo dispositivo do
banco, com medo que ela me receitasse um floral, porque está muito claro pra
mim que nesse momento preciso de um bom ansiolítico, de preferência um desses
bem controlados. Concluí também que um cartão de crédito poderia resolver a
questão do pagamento via internet, evitando com que eu tivesse de fazer docs e
pagamentos online, ou seja, reduzindo significativamente o acesso ao i-token.
Mas mesmo dentro da bolsa, não consigo esquecê-lo, e só de pensar que ele está
ali gerando números que nunca serão usados ou lidos, já me dá uma exaustão
enorme.
Antes que
a sexta gripe começasse ou que eu enlouquecesse e comprasse um livro de cada
autor da FLIP (ok, comprei 3), corri uma maratona, tomei Zyrtec atrás de Zyrtec e,
finalmente, fui demitida por invalidez.