Foi uma professora de dança que descobriu:
escoliose. Havia uma escápula muito mais pontuda que a outra, um lado das
costas mais alto. Uma perna era mais en dehors que a outra, um braço girava
mais pra trás que o outro. Minha sequência de piqués era melhor pra um lado do
que pro outro. Observando bem, meu olho direito é mais escuro que o esquerdo, e
tenho mais cabelos brancos de um lado da cabeça, além de mais pintas e sardas
numa das bochechas que na outra. O novo paradigma poderia até mesmo justificar
escolhas afetivas, gosto musical, ideologia política. Posição pra dormir,
certamente. Não demorou muito até a escoliose começar a dar problemas.
Um belo dia, a fisioterapeuta decretou, e lá fui eu. E quando,
meses atrás, decidi largar a natação, por tantos motivos mais que autoexplicativos, dei de cara, na seção de quadrinhos da Travessa, com um livro que era minha biografia. Um fisioterapeuta dá um ultimato a seu paciente, que
passa a encarar o mundo das piscinas. Desavisado, ele começa a nadar sem
óculos. Despreparado, atropela gente na água, morre de falta de ar e usa as
bordas da piscina para sobreviver.
É tudo tão lindo no livro, e tudo começava a se
enferrujar em mim. Senti
que eu estava encolhendo e percebi que, em todas as idas à praia (e foram
muitas, porque tive férias e sol), me atirava no mar com muita urgência, e que
até os banhos ficaram mais demorados. Morri de saudades da água sem nem saber
que isso era possível.
Munida
de um novo maiô, consciente de que minha pele e meus cabelos voltariam a ficar
opacos, mas ao mesmo tempo esperançosa de que poderia pegar meu sobrinho no
colo outra vez, voltei, e tudo parecia mais aprazível desta vez, a começar pelo
horário da noite. Terrível engano. A natação noturna logo mostrou sua
verdadeira face, e quando me dei conta a atividade tinha virado uma piscina
cheia de gente conhecida.
Começou por M., que um dia apareceu exclamando “Julieta!”
e desde então R., o odioso professor de natação se achou no direito de
socializar também, ainda mais depois que encontrei S. Eis que R., que por
semanas me chamou de Juliana (e eu não podia argumentar, porque durante 2 meses
eu pensei que ele se chamava Eduardo), perguntou se eu trabalhava com produção.
Quando respondi que era editora (tem sido minha resposta preferida nos últimos
tempos, e desconfio de que tenho respondido “editora” mesmo quando me dão bom
dia), ele pareceu felicíssimo por poder dizer “então você deve conhecer Z., que
é editora também, ela nada aqui!”. Z. é alguém da alta hierarquia de uma
editora que fica a uma quadra da natação. Além dela, S., designer de jóias, M.,
diretor de fotografia, Fulano, do Bangalafumenga, e, pasmem, Paulão/Carlão (!) que
trabalha com produção sei lá onde. De repente concluí que eu nadava
nas águas mais fucking cool da cidade.
Seria fácil se esse fosse o único defeito de R.
(falar).
Há uma ou duas semanas atrás, quando encontrei M. numa festinha,
aproveitei pra desabafar e perguntei se ele não concordava que o R. era um
bunda. Foi preciso argumentar: R. passou semanas me chamando pelo nome errado;
começa a aula atrasado; é meio grosso; é preguiçoso e não tem criatividade; só
me manda nadar crawl. Eu que achava que a natação já era uma definição de
chatice, e que portanto não tinha como piorar, vi que tudo se supera: não dá
pra ser feliz nadando uma coisa só a aula inteira. A escoliose, porém, pôs fim à
discussão: quando ela aperta, o ombro cai pra frente e o elevador da escápula
logo se contrai – “você precisa nadar costas”, disse a fisioterapeuta, e repeti
a fórmula para R. A essa altura, M. já estava convencido: passei a nadar só
costas e R. é um bunda.
Talvez R. não seja o único culpado pelo bode de
nadar à noite. Falta a música da hidroginástica ao lado (nesse horário não tem
mais aula), falta democracia na faixa etária dos alunos. De repente me vi
nadando sempre em meio a 3 homens de barba, sem nenhum sexagenário pra me
consolar, ou sem a iminência do xixi e dos brinquedinhos da turminha infantil. Pra
piorar, quando estou nas séries finais (embora a aula não pareça ter começo,
meio e fim, vide que nado a mesma modalidade o tempo todo), um sujeito começa a
estender sobre a água uma capa de proteção. É muita solidão. Quando chego em
casa posso imaginar o silêncio. Água não foi feita pra ficar parada. Talvez
seja isso que R. não tenha entendido, e por isso se agarra ao marasmo da
mesmice. É triste.
Eu tinha decidido voltar a dançar. Mas nós,
portadores de escoliose, não temos livre arbítrio. Tentei caminhada e corrida,
e foi um desastre lombar. Comprei o passe para as bicis, que simplesmente
desaparecem das baias nos fins de semana. Quando a homeopata me pesou na quarta-feira e
calculou 4 quilos a mais, o desespero de encontrar outra atividade me fez
entrar no site da Bodytech, mas logo recobrei o juízo (ou parte dele). Agora que eu já me acostumei a encontrar gente de
touca, decidi: aumentei a natação para 4 vezes por semana.
3 comentários:
Swiming, eu sinto muita falta d'água. Da alternância entre a ausência do barulho e aquele som sufocado de pernas e braços em movimento. Ou quando você se solta por completo e volta a posição fetal. Penso em voltar, não sei quando, quem sabe não dividimos uma raia? De presente: http://www.abouttoday.co.uk/Illustrations
Eu adoraria dividir uma raia com você, Bel! Apostaria "corrida" e tudo!
We are back também. Mas meu caso é mais grave que o seu. A criança passou a aula toda falando : - "mamãe, quéimboia" e o prof, feliz, achando que ele tava querendo nadar com a bóia....
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