segunda-feira, abril 08, 2013

Hoje

(há 3 ou 4 anos atrás)

Somos 4 num boteco xexelento em Ipanema. A mesa, repleta de garrafas de cerveja, está molhada. Ameaço ir embora, coloco o dinheiro num espaço ainda não alagado. E fico além da hora. As notas se afogam. A gente fala do novo filme do Tarantino, que agora é só o penúltimo. Eu tiro fotos que ficarão mais escuras que o desejado. Nenhum negativo captura você, sentado à minha frente. Separo e organizo as notas molhadas, o que dura alguns segundos. Você fica vidrado nas minhas mãos, sem ar ou batimentos pelo tempo que leva contar 16 ou 18 reais em notas de 2. Isso foi uma dança da Pina Bausch, você diz. Eu te amo, penso em responder.

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(hoje mesmo)

Antonio me abraça suado no fim do espetáculo. Cansado e grisalho, reparo. Passa lá em casa, eu tenho livros e vídeos que podem te ajudar. Bloco 5, 118. Ainda estão lá: aquele rumor de vento e árvores; o salão de festas onde por meses dançamos; o futon vermelho na sala; Antonio. Eu tenho uma saudade de Antonio! Ele não adivinha e eu não quero confessar. Fazemos aquelas promessas de sempre. Tenho livros e filmes a devolver, e portanto pelo menos mais um pedaço de Antonio garantido. Em casa assisto: sobre fundo negro, as mãos de Pina dançam. Eu sinto aquela coisa que se sente quando, por um momento muito passageiro (o tempo de contar 16 ou 18 reais em notas molhadas de 2), você perde a força de controlar seus órgãos. Os segundos antes de um vômito, de um orgasmo, de um choro; os segundos em que a linguagem escapa.

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(em 2011)

Quando os bailarinos esvaziam o palco para o intervalo e a cena permanece aberta e a neve que começara em meados do primeiro ato continua a cair; quando as pessoas deixam as poltronas para se encaminhar para os banheiros, os bares e os corredores; quando as campainhas soam para o segundo ato e ainda neva, e de repente os bailarinos voltam à cena e neva mais e mais e mais e os cabelos se arrastam na neve e dançam, e os vestidos levantam a neve do chão e de repente tudo é branco e é preciso quase imaginar os corpos que ali estão, atrás dessa cortina de flocos; quando os aplausos não se cansam, quando outra vez os assentos ficam para trás; quando eu fico para trás, sentada numa poltrona da fila H do balcão nobre; quando eu, desnorteada, ainda vejo neve cair, sentada numa poltrona da fila H do balcão nobre que parece ser o limite do mundo; quando eu desço as escadas do Theatro e não sei nem mesmo pensar: tem uma corrente que passa sob a pele, um buraco que se abre num ponto impreciso entre a compreensão e o meu estômago.

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(todo dia)

Quando eu não sei nem mesmo pensar: danço, e é sempre com você.  



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