domingo, outubro 27, 2013

Um discurso amoroso


e bilíngue para o casamento de C. e P., com todo o coração. 

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Queridos,

Uma confissão: para escrever este pequeno discurso li livros, fiz pesquisas, enquetes, conversei com veteranos bem sucedidos no assunto... e meus rascunhos continuavam um misto de clichê, cafona e, pior, acadêmico.

Pensando naquele poema do Fernando Pessoa (“Todas as cartas de amor são / ridículas / Não seriam cartas de amor se não fossem / ridículas”) concluí que os discursos de amor também só poderiam ser ridículos. Exceto o do Barthes, é claro. O que não ajudou em nada.

Então um dia ouvi no rádio uma música que a certa altura diz: “E até quem me vê / lendo o jornal / na fila do pão / sabe que eu te encontrei”* e pensei naquela primeira vez que a C. me falou do P., e naquele momento eu entendi que a fila do pão, do banco, do aeroporto nunca mais seriam problemas pra ela.

Portanto o que eu desejo para vocês agora é que aproveitem muito aquele aparelho de som incrível que P. comprou e que não deixem faltar música em casa: para encontrarem a afinação todos os dias, para aprenderem um o ritmo do outro, para que o encontro de vocês seja sempre uma dança com os passos que vocês inventarem juntos, esses que driblarão eventuais descompassos e notas fora do tom. E que vocês possam dançar a toda hora e em qualquer lugar, até na padaria – ridículo é falar de amor, vivê-lo é uma sorte!

Com carinho,


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Avant d’entamer ce petit discours, une confession : j’ai lu des livres, fait des recherches, des enquêtes, j’ai parlé à de grands orateurs et mes brouillons restaient clichés, kitschs et, pire encore, académiques.

J’ai pensé au poème de Fernando Pessoa (“Toutes les lettres d’amour sont / ridicules / Elles ne seraient pas des lettres d’amour si elles n’étaient pas / ridicules”) et j’en ai conclu que les discours d’amour ne pourraient qu’être pareillement ridicules. Sauf celui de Barthes, évidemment. Ce qui ne m’a pas aidée.

Jusqu'au jour où j’ai entendu une chanson à la radio : “Et même ceux qui me voient / lire le journal / faire la queue à la boulangerie / savent que je t’ai rencontrée” et j’ai alors repensé à la première fois où C. m’a parlé de P., et  comment, à ce moment-là, j’ai compris que faire la queue dans les boulangeries, les banques, les aéroports ne serait plus un problème pour elle.  

Ce que je vous souhaite, c’est que vous profitiez pleinement de l’incroyable chaîne que P. a achetée et que la musique ne manque jamais chez vous : pour que vous trouviez le ton juste chaque jour, que vous appreniez le rythme l’un de l’autre, pour que les moments passés ensemble soient toujours une danse avec des pas inventés par vos soins, ces pas qui esquiveront d’éventuels décalages et fausses notes. Et que vous puissiez danser à n’importe quel moment et n’importe quel endroit, même dans la boulangerie – parler d’amour est ridicule, le vivre est une grande chance !

Avec tendresse,

Jules


* Último romance, Los Hermanos


2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! Tava sentindo falta de seus textos. Adorei o discurso. E sempre que lembro das cartas ridículas de amor que escrevi lembro de Fernando Pessoa.
Paula Raja

Tasso Góes disse...

como eu gosto da tua disciplina>