Está lá, finalmente, na página 295 da poesia completa da
Alejandra Pizarnik, numa edição bonita que estava juntando poeira há tempos na
mesinha, o verso que Alexandra Lucas Coelho citava na página 123 de um romance,
ou ainda cita, citará toda vez: “Alguna vez, tal vez, encontraremos refugio en
la realidade verdadeira. Entretanto ¿puedo decir hasta qué punto estoy
en contra?” Foi como encontrar um tesouro. Há um ou dois dias Raduan Nassar completou
80 anos e, claro, folheei os 3 volumes dele, coisas como “suas mãos eram
inesgotáveis” sublinhadas, justo no dia em que decidi terminar de escrever o
meu próprio livro, que fala de mãos inesgotáveis. Parecem sinais, não sei bem
de quê, L. usou essa frase uma ou duas vezes durante a curta vida que tivemos
juntos, quando descobriu no meu corpo algumas medidas que tinham o exato
tamanho de suas mãos (inesgotáveis, evidentemente), ou quando nos cruzamos em
Botafogo sem combinar, já achando (ou tentando achar) que não nos veríamos
mais.
Carol é da opinião de que o aniversário é dele mas o
presente deveria ser nosso, um lançamento de um livro que já ninguém mais
especula que exista, ou que já ninguém mais julgue necessário depois do que ele
já escreveu. Tem uma beleza aí, Raduan em sua fazenda enquanto todos nós
tentamos desesperadamente alguma reclusão que dê conta de nossos manuscritos.
Eu poderia pegar um avião e me instalar numa praia por dias até que resolvesse
isso, mas tenho tido inércia até pra comprar pão. De tempos em tempos, portanto
(de horas em horas, mais precisamente), arrumo a bagunça do sofá, ponho pra
fora os jornais acumulados e passo o olho pelo arquivo que leva o nome de
Cravos_nov2015, com a desconfiança de que ainda tem um buraco ali, com a suspeita de
que eu talvez já não saiba mais como preencher porque já misturei todas as
histórias possíveis, com a certeza de que nunca o darei por encerrado. Na
prática, às vezes, alguma teoria literária afinal faz sentido. Mas eu diria que
é mais angústia do que qualquer outra coisa, esse medo que é ter de fazer essa
coisa totalmente sozinha, mesmo que as estantes estejam já abauladas de tantos
livros.
Pouco antes de encontrar os versos da Pizarnik, deparei
com estes também dela: “Sí, lo malo de la vida es que no es lo que creemos pero
tampoco lo contrario.”
Fiz o terceiro chá do dia e fiquei aqui pensando numa
música que ouvi essa tarde num aniversário de criança e que diz: “Caranguejo
não é peixe / caranguejo peixe é / caranguejo só é peixe na enchente da maré”.
É bom que o autor explique a confusão, mas tá na cara que seguimos produzindo
adultos confusos, ou que, ao menos, em algum ponto desses dias chuvosos, precisem de comprovação
científica de alguns fatos. Ou poética.