domingo, novembro 29, 2015

Diário de Lisboa - parte 2


Está lá, finalmente, na página 295 da poesia completa da Alejandra Pizarnik, numa edição bonita que estava juntando poeira há tempos na mesinha, o verso que Alexandra Lucas Coelho citava na página 123 de um romance, ou ainda cita, citará toda vez: “Alguna vez, tal vez, encontraremos refugio en la realidade verdadeira. Entretanto ¿puedo decir hasta qué punto estoy en contra?” Foi como encontrar um tesouro. Há um ou dois dias Raduan Nassar completou 80 anos e, claro, folheei os 3 volumes dele, coisas como “suas mãos eram inesgotáveis” sublinhadas, justo no dia em que decidi terminar de escrever o meu próprio livro, que fala de mãos inesgotáveis. Parecem sinais, não sei bem de quê, L. usou essa frase uma ou duas vezes durante a curta vida que tivemos juntos, quando descobriu no meu corpo algumas medidas que tinham o exato tamanho de suas mãos (inesgotáveis, evidentemente), ou quando nos cruzamos em Botafogo sem combinar, já achando (ou tentando achar) que não nos veríamos mais.

Carol é da opinião de que o aniversário é dele mas o presente deveria ser nosso, um lançamento de um livro que já ninguém mais especula que exista, ou que já ninguém mais julgue necessário depois do que ele já escreveu. Tem uma beleza aí, Raduan em sua fazenda enquanto todos nós tentamos desesperadamente alguma reclusão que dê conta de nossos manuscritos. Eu poderia pegar um avião e me instalar numa praia por dias até que resolvesse isso, mas tenho tido inércia até pra comprar pão. De tempos em tempos, portanto (de horas em horas, mais precisamente), arrumo a bagunça do sofá, ponho pra fora os jornais acumulados e passo o olho pelo arquivo que leva o nome de Cravos_nov2015, com a desconfiança de que ainda tem um buraco ali, com a suspeita de que eu talvez já não saiba mais como preencher porque já misturei todas as histórias possíveis, com a certeza de que nunca o darei por encerrado. Na prática, às vezes, alguma teoria literária afinal faz sentido. Mas eu diria que é mais angústia do que qualquer outra coisa, esse medo que é ter de fazer essa coisa totalmente sozinha, mesmo que as estantes estejam já abauladas de tantos livros.

Pouco antes de encontrar os versos da Pizarnik, deparei com estes também dela: “Sí, lo malo de la vida es que no es lo que creemos pero tampoco lo contrario.”

Fiz o terceiro chá do dia e fiquei aqui pensando numa música que ouvi essa tarde num aniversário de criança e que diz: “Caranguejo não é peixe / caranguejo peixe é / caranguejo só é peixe na enchente da maré”. É bom que o autor explique a confusão, mas tá na cara que seguimos produzindo adultos confusos, ou que, ao menos, em algum ponto desses dias chuvosos, precisem de comprovação científica de alguns fatos. Ou poética. 



Um comentário:

Manu disse...

Júlia, Raduan, Alexandra, Carol, que bom poder contar com vocês.