quarta-feira, novembro 18, 2015

Diário de Lisboa - parte 1


Se acabó la bossa nova
y empezamos a correr el dial.
Los pájaros hambrientos
que estuvieron viajando durante la noche
ahora picotean los techos de nuestros autos. 
Las calles están cortadas, no hay comida
y ya nadie cree
que podamos organizar el próximo Mundial. 

Fabián Casas


Minha mãe sempre conta de quando o Collor confiscou o dinheiro de todo mundo: ela e os amigos que moravam perto de nós passavam o dia todo na praia sem saber o que fazer, tomando sorvete Itália, que era raro de passar naquela época, ao contrário do Dragão Chinês e da Maria Thereza Weiss. Acho que ainda não tinha ciclovia na Barra, quando começaram a substituir os trailers por quiosques padronizados foi super esquisito. Talvez ainda tivesse o caminhão do Churros Del Uruguay estacionado na Praça do Ó, em frente ao Via 11. Eu fazia jazz na esquina de casa e ainda não sofria do quadril, e tudo o mais sobre aquela época já foi contado em crônicas hilárias do Antonio Prata: as pessoas fumavam em restaurantes, ninguém usava cinto de segurança e os pais alertavam suas crianças pra não chegarem muito perto das janelas, que não tinham redes de proteção. Quem queria ser louro acreditava no xampu de camomila, todo mundo usava aquele Sundown gordurento no rosto e a gente entulhava gente em carros no rodízio para a escola. Eu marcava cinema com a Marcelle e a gente se encontrava no meio do caminho, no Barrinha verde. Ou não, posso estar confundindo tudo.

O caso é que ontem Carol me falou que o Jagged Little Pill, da Alanis Morissette, fez 20 anos e eu não podia crer que tinha só 13 e cantava “You oughta know” com sentimento. Eu assistia muito MTV, amava os clipes do Foo Fighters e dos Paralamas do Sucesso e pensava em ser diretora de arte, ainda que não soubesse que essa profissão existia. Meu quarto era uma bagunça sem nenhuma referência artística decente e cheio de pôsteres do Kurt Cobain, o que já dava provas de uma vocação nula para a coisa. Eu gostava das colunas de um Marcelo Pires na Capricho e colecionava páginas dela, que se chamava “PS do PS do PS”. Numa delas ele citava uns poemas da Martha Medeiros, e parte da minha adolescência foi feita de leituras dos livros dela. Hoje torço o nariz, e imagino o que terá acontecido ao Marcelo Pires e àquela minha pasta de recortes. Em 2015 eu continuo amando aquela caixa de leite otimista do clipe do Blur e por alguma razão toda vez que escuto “Tender”, da mesma banda, imagino a caixinha fazendo um lip synch simpático. Há pouco tempo ouvi uma música do Gorillaz que dancei muito em festas, ou acho que dancei muito em festas. Há uns meses coloquei “Changes”, do Tupac, pra tocar numa festa. A reação foi menos entusiasmada do que eu esperava. Há uns dias coloquei Alice in Chains no iTunes, Laney Stanley eternamente soará para mim como um gato miando, eternamente amarei o verso final de “Would”. Eu sabia tocar (mal) “Come as you are” no violão, hoje tenho parte da letra escrita na parede de casa, junto a poemas contemporâneos que falam de dinossauros, boleros, danças. Ainda guardo, também, uma camiseta do Nirvana que ainda me cabe. Uso pra dormir. Às vezes.

3 outros amigos foram demitidos, já não sabemos mais se é melhor acreditar no Rumos do Itaú Cultural, na Mega Sena ou numa casa coletiva em Mauá. Os remédios pra dormir, há relatos, também estão falhando com todos, parece que só sexo mesmo. "Voltamos a viver como há 10 anos atrás" (sic), a conta de luz aumentou outra vez, eu ainda acho que quebrei o pé, apesar do raio-x que me desmente, e torço pra que pelo menos um edema apareça na ressonância, porque alguma coisa precisa fazer sentido nesse novembro em que tenho que checar se os amigos foram atingidos por ataques terroristas.

Em 1996 o ingresso do show da Alanis Morissette no Metropolitan custou R$ 25,00, a Carol estava lá também, mas ainda não sonhávamos em nos conhecer. Imagina? Uma leve bateção de cabelos virgens de Minoxydil e/ou tonalizante. Não me lembro quem estava comigo, mas tenho vivos na memória os gestos característicos da Alanis, achava o máximo ela cantar “I’m broke but I’m happy”, achava meio romântico, sei lá. Carol identificava Alanis ao feminismo, embora ainda não se falasse de empoderamento e ainda não se usasse frases de “Águas de março” no Facebook toda vez que chove em março. Não que uma coisa tenha a ver com a outra, mas você sabe.

Hoje meu sobrinho faz 5 anos. Corremos pelo shopping e caí no chão com ele. Um dia antes, marquei meu primeiro peeling na dermatologista. Idade é um troço relativo mesmo, veja só, em um momento a gente luta com o moleque em espaço público, no outro passa ácido na cara pra dormir em guerra contra as sardas. Hoje deu praia, um sujeito esquisito me pediu opinião para escolher um par de óculos do vendedor ambulante no posto 12, eu fingi que não entendi e aumentei o volume dos fones, tão óbvio, “I’m lost but I’m hopeful, baby”, como é que vou opinar nos óculos alheios, não estou esperançosa, certamente bem desnorteada, isso parece aquele conto do Caio Fernando Abreu em que eles cantam Angela Ro Ro até altas horas? Ele veio uma década à frente pra mim, melhor não misturar as estações, e na real nem sei porque te escrevo isso tudo, talvez pra concluir que tem mais coisa não perecível no mundo além do Caetano. 


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