quinta-feira, novembro 05, 2015

Conversas botânicas


Entramos no Jardim Botânico e caminhamos em direção ao cactário. Nosso objetivo era encontrar um da espécie Mammilaria que havia florescido contra as expectativas dos pesquisadores locais, que temiam que a planta não se adaptasse à umidade carioca. A foto no jornal era de uma fofura tamanha que convoquei M. para a expedição, acreditando numa possível epifania frente a uma beleza natural tão perto de casa. Já entre as árvores comentei que ficara um pouco decepcionada com o lago de vitórias-régias onde planejava me jogar depois de passar mais de três horas na Caixa Econômica Federal do bairro. Expliquei que aquilo parecia um amontoado de folhas chapadas sobre a água sem nenhum planejamento estético. Como assim?, ele perguntou. Eu achava que as vitórias-régias eram folhas grandes com aquela moldurinha em volta e uma flor no meio. Mas na prática era apenas um aglomerado de folhas sem graça flutuando, nenhuma organização, nenhum método. Um dia antes eu conversava com C. sobre metodologia de pesquisa, talvez isso tenha me influenciado. O caso é que desde que me associei ao Jardim Botânico tenho feito um esforço enorme para gostar do lugar como as pessoas acham que eu deveria. Ou poderia. Mas até a excursão aos cactos eu só tinha deparado com jacas e aves não identificadas, além de ter tirado duas ou três fotografias de transeuntes que queriam ser eternizados em frente ao chafariz ou no corredor das palmeiras reais, além de uma galeria de grávidas e/ou casais posando para retratos tão mal ensaiados quanto as vitórias-régias.

O cactário, por sua vez, é evidentemente mais consistente, você logo identifica um projeto paisagístico, e nos dividimos, cada um em uma direção, para procurar o cacto em questão. Havia chovido oceanos na véspera e toda aquela água parecia suficiente para danificar possíveis flores em possíveis cactos. Pra ser mais exata, aquela água parecia ameaçadora para existências em geral, inclusive as nossas, já meio esmaecidas pelos percalços bancários, tédio e falência iminente. Entre cactos que pareciam corais marinhos, outros que pareciam tentáculos peludos de algum animal sinistro e alguns que pareciam cactos mesmo, daqueles de desenho animado, M. encontrou um pesquisador da instituição por ali e indagou sobre o cacto digno de nota no jornal que procurávamos. O pesquisador apontou um diminuto cacto abundante em espinhos e nada além disso. Os três agachamos e ele disse que a floração dessas plantas é muito efêmera, eu perguntei se teria sido o caso de largar o jornal, o café e o que mais fosse para correr até lá, mas pode ter sido apenas uma pergunta mental, porque logo ele estava dizendo que sim para uma pergunta real de M., dizendo que aquela área, uma espécie de anexo do cactário central, era nova, que haviam preservado as fundações históricas que se encontravam ali, como os tanques que nos indicou ao lado, e sugeriu que déssemos uma olhada no restante do espaço garantindo que havia espécies interessantíssimas a serem observadas, quiçá instagramadas. Voltamos às estufas e aos caminhos delimitados, outra vez vimos os cactos que pareciam corais, tentáculos peludos e cactos como o consciente coletivo os identifica.

Você conhece o caminho da Mata Atlântica?, e subimos para que eu conhecesse mais um caminho cheio de jaqueiras, que foram descritas por M. como uma praga. Tipo os saguis? Mas ele não sabia a procedência dos saguis, e eu tampouco tinha a história tão em dia, de modo que seguimos até descermos perto do orquidário. Nesse trecho do passeio lamentei a falta de espreguiçadeiras no Jardim Botânico, isso sim, concordamos. Todas as vezes que penso em me deslocar até ali para ler, em vez de me afundar no sofá, desisto frente aos bancos pouco convidativos. Eu deveria me candidatar à presidência do local. Pensava nisso quando aves grandes de papo laranja-avermelhado apareceram no caminho. Veja esses bichos!, exclamei, e M. riu concordando que “bichos” era um bom termo para defini-los. Deveriam vir com uma placa de identificação presa às penas, não acha? Mais uma pauta para o meu palanque. Também instituiria que flores deveriam ser permanentemente afixadas a cactos, o que tornaria o cactário o lugar mais disputado do Jardim, o que por sua vez atrairia as atenções de alguém que tivesse ideias para melhorar o lago das vitórias-régias e assim povoar o espaço de forma mais igualitária. O setor de plantas insetívoras certamente se beneficiaria, pela mesma lógica.

Saímos do Jardim um tanto decepcionados, e mais tarde mandei a foto do cacto tal qual deveríamos tê-lo visto para M. e para C., e ambos concordaram com a singeleza daquele pequenino amontoado de espinhos que ostentava uma coroa de flores cor de rosa, fazendo parecer que havia sido vestido com um colar havaiano. Garanti dois votos para minha candidatura imaginária. C. logo me dispensou porque estava às voltas com um questionário para um grupo focal. M., por sua vez, pediu 3 números para jogar, pela terceira ou quarta vez na mesma semana, na Mega Sena, porque combinamos que faríamos apostas individuais e coletivas. Àquela altura o prêmio estava acumulado em 50 milhões. Mandei os números e um alerta: não se vicie. Meu vício é sonhar, ele respondeu. Desconfiei que talvez o meu também seja. 


Um comentário:

Anônimo disse...

Julieta! Sempre uma novidade por aqui! Sabe o que dei de presente para o último bebê recém-nascido a quem dei presente? Uma almofada em formato de cactos com uma flor no topo. Não sabia que essa composição existia na vida real. Vou agora buscar a foto mencionada!

É por essas e outras que é sempre válido passar por aqui, quando o tempo permite.

Beijos,

Paula Raja