Começar o Carnaval indo a bloco matutino em Santa Teresa é fazer a matemática inversa: você paga os pecados antes.
A escadaria é quase penitência, a fantasia não resiste à segunda ladeira e quando você finalmente consegue alcançar o bloco, está tão exausto que quer ir embora. Entre descer ladeiras e escadarias tudo de novo e seguir um pouco os foliões, a segunda alternativa vence, e embalado por marchinhas que você sequer distingue de tão morto, se embrenha em meio a pessoas muito, muito suadas. Mas se chegamos até aqui e é fevereiro, sigamos em frente.
Você escuta o seu amigo dizer que daria seu reino por uma água, que parece ser artigo de luxo, arriscam-se na cerveja, quente, e todo o resto é quente, sol a pino, homens sem
camisa, você tira a peruca e é pena que não pode tirar também os cabelos.
Em meio a tantas pessoas, não há pra onde fugir. Pierrots lambendo colombinas, confetes e purpurinas grudados, roupas idem, os dedos enrugados de suor, por que mesmo que a gente gosta disso?, grupos fantasiados que te dão esperança de que alguma coisa ainda pode ser engraçada, mas não tem jeito, o bloco se vai, você fica pra trás se revezando no banho de mangueira que um solidário e politicamente incorreto morador do bairro oferece à horda de foliões que parecem vindos de uma caravana do deserto. Alala-ô nunca fez tanto sentido e provavelmente foi escrita por alguém que teve a visão do futuro (ou do inferno?): bloco de rua em Santa Teresa às 10 da manhã de um sábado de fevereiro no Rio. Quem foi que nos sacaneou assim?
Lá pelas tantas, sentados no meio fio de uma ruazinha que parece ter aparecido para salva-los da morte por esmagamento, a mensagem de uma amiga que diz ter perdido-se do bloco. àquela altura, perdida também, eu não pretendia mais encontrá-lo...
Na volta, marchinhas na ponta da língua, mas não tem jeito: Aurora parece ser o grande hit de Momo. Na dúvida, ôô-ôô.
Almoço, banho e parte da dignidade está recuperada, mas ainda é cedo pra arriscar-se de novo, além do mais domingo às nove você precisa estar na Praça XV.
Amanhece chovendo, mas não há nada que impeça o Boitatá de sair, e sob a máxima do faça chuva ou faça sol, você entra no táxi e dá a ordem, se a canoa não virar eu chego lá. Lá é um lugar onde chove torrencialmente, os amigos dos amigos vestidos de arca de Noé gritam “dilúvio!” , a venda de capas de chuva é maior que a de cerveja e você começa a rezar pra não ser acometido por leptospirose ou semelhantes. As pessoas brincando na praça alheias aos pingos que não dão trégua, e não há arlequim que me convença. Eu sou brasileira mas tenho um pezinho na Europa e desisto às vezes.
Meu carnaval encerrou-se prematuramente no domingo na sala quentinha com piano de uma amiga xará, me preparando para a dengue ou a pneumonia. Cervejas, prosecco, fotos dos amigos, conversas e um ipod cheio de Zero 7, Gotan Project e afins, nada que me lembrasse a horda de malucos atrás de máscaras pulando por aí em blocos, animados, felizes.
Dentro de um casaco de lã, meias e com xícara de chá em punho, a segunda de carnaval parecia pra mim a quarta-feira de cinzas, a chuva continuou caindo, seja o que deus quiser. Ano que vem tem mais e sempre bate uma loucura qualquer nessa época.
Porque só mesmo um pouco insano pra gostar dessa coisa não-higiênica que é o Carnaval.
:: ouvindo The Rolling Stones da casa do vizinho, sentindo saudades das pessoas do Carnaval de 2006!
3 comentários:
nhôôôôôô!
eu tive a graça de ter as pessoas do meu indefectível carnaval de 2007 neste carnaval de 2008, e não sei dizer qual foi mais incrível... já estou com lagriminha de saudade!
. . .
eu também me aproveitei daquela mangueira!!
. . .
que pena que a gente não se trombou! espero que você esteja melhor da gripe, querida!
beijo!
Se você pensa que cachaça é água...
bj,
Joaninha não-afogada
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