quarta-feira, janeiro 14, 2009

Meus suicídios (vol. 2)

IV.

Eu me suicido toda vez que corto o cabelo. É um cliché tão absurdo que nem tem graça contar. Primeiro começa uma vontade de mudança, enjôo (enjoo?) dos vestidos, das comidas, da sem gracice de dias arrastados sem nenhum sobressalto e então preciso apostar numa ousadia qualquer, e é sempre o cabelo, e é sempre libertador entrar pela porta do salão e é sempre tão corajoso confiar nas tesouras que remodelam as madeixas. Então conto 18 grampos que seguravam os cabelos no alto da cabeça, vejo os cachos caindo e engulo seco, faço cara de “tá ótimo” e viro de lado pra ver melhor, sem prestar atenção na tesoura que chega perto demais e me corta a nuca, o sangue pinga sobre os cabelos já mortos no chão e pronto, estou suicidada, e cada vez que penteio o que restou dos cabelos depois do banho escorre mais sangue da nuca, e isso dura meses até que tudo cresça novamente e eu precise mudar, da próxima vez, penso, pinto de azul.

V e VI.

Eu me suicido toda vez que escuto aquela música de manhã, ao entrar no carro, ligar o ar e ouvir a voz “Take it back, take it back...”. É um suicídio invejoso, começa com uma vontade de ter feito aquilo e parte para uma frustração tamanha de que nunca vou conseguir expressar tudo o que sinto com essa música (e outras). Então faço anotações no bloquinho do carro, penso em dizer que aquela música tem ares de fim de festa, ares daquele momento em que procuro na bolsa o último cigarro do maço e ele está completamente amassado e meio quebrado, mas não é nada disso, talvez tenha jeito de dia seguinte, de acordar e tropeçar já de cara, de topar com um móvel que sempre esteve ali no caminho, mas é muito maior e pior e então meto a cara no escapamento e fico asfixiada, com gosto de fumaça na boca, muito mais que mil cigarros desconjuntados e apago num desmaio, acordo tanto tempo depois, “I don’t wanna wonder whether you care so don't try to woo me, don’t try to fool me. I know all your tricks.”, a música continua lá me arrastando pra lugares cinzentos e fantásticos, então me rendo, canto do jeito que eu sei e pronto, me mato duplamente, dessa vez de desgosto.

VII.

Eu me suicido toda vez que quero me apaixonar de novo. É um suicídio patético porque eu nunca sei se quero me apaixonar porque a pessoa realmente merece ou se é porque já faz tanto tempo, e fico confusa pensando se é mais trágico gostar e não ser correspondida ou se é pior saber que alguém passou em branco, porque aí não uso de desculpas estúpidas para ficar boba e mole, não relembro obsessivamente o beijo que me causou calafrios e não tenho razão pra perdoar os latidos do cachorro. Então começo a comer chocolates numa velocidade assombrosa, esvazio consecutivas caixas e morro por excesso de açúcar no sangue, sozinha desse jeito não tenho por onde escoar tanta doçura.


(ver vol. 1)

3 comentários:

RT disse...

eu me suicido mais ferozmente ainda, porque eu mesmo tento cortar o meu cabelo. = desastre.

Leticia Wahmann disse...

Seus suicídios geram textos lindos e emocionantes, mas que tal parar com essa mania em 2009 e acordar com mta vontade de viver e não suicidar-se de novo ??????

bruna disse...

Dizem que as pessoas escrevem pra escoar tanta doçura...