Ameaçava chover no dia em que assei biscoitos, e fazia frio, nem tanto que merecesse meia, nem tão pouco que exigisse biquíni, aquele frio moderado que faz por aqui de vez em quando. O caso é que também não era necessário ar-condicionado, mas no dia em que assei biscoitos vieram, justamente, conserta-lo, de modo que eu tive que deixar a máquina ligada até o defeito aparecer. O defeito eram pingos que não deveriam pingar, e até que o efeito goteira começasse eu precisei de: meias, casaco, spray de garganta.
Tive de prender o cachorro no dia em que assei biscoitos, porque os técnicos da refrigeração eram alvos em potencial para os dentes do cão, que é pequenino e fofo, mas morde com crueldade canelas e panturrilhas. Uma vez preso no quarto, o cão começa sua sinfonia de latidos e choros que causam: irritação, piedade, loucura.
A tarde toda do dia em que assei biscoitos foi passada, então, encasacada, entrando no quarto às vezes para que o cão entendesse que eu não iria esquece-lo (e fizesse algum minuto de silencioso alívio), e tossindo na sala enquanto os homens se penduravam em escadas.
Dada a partida dos técnicos e a libertação do cachorro, pus-me na cozinha com a mão na massa, querendo, esperando, torcendo pra que alguém ligasse e eu sujasse o telefone com as mãos de farinha só para poder dizer “não posso falar, estou assando biscoitos”. Deve ser romantismo, mania de achar bonito as coisas que não sabemos fazer, de pensar que alguma magia pode surgir do simples fato de: beber café, comer sushi, assar biscoitos.
Pronta a massa, arrumei os tabuleiros, fiz bolinhas sem padronização de tamanhos, lutei contra o forno que não queria se manter aceso e saí correndo afoita quando escutei o trim-trim lá na sala, pronto, era ela, uma amiga “você está perto do shopping?”. Não, estou assando biscoitos, eu disse enquanto limpava a mão livre no avental, e ela não entendeu nada. São para consumo próprio, pensei, mas continuaria sendo um fato totalmente descontextualizado.
Esfarelei vários dos biscoitos no chão ao passa-los do tabuleiro para a lata, num destrambelhamento típico dos ansiosos de primeira viagem. A recompensa do cachorro, que passara o dia trancado e ameaçado de abandono, foi comer do chão os biscoitinhos já mornos. Pela dedicação com que se pôs a lamber o ladrilho, arrisco o palpite de que estou aprovada na minha nova aventura.
Aproveitando o resquício do clima temperado que ainda fazia na sala, onde o ar-refrigerado teve que ficar em teste, esquentei uma xícara de água, despejei um sachet de chá e fiquei: vendo um filme pela décima vez, orgulhosa por ter assado biscoitos, engordando com o cão esquentando os meus pés.
No dia em que assei biscoitos concluí: já posso ser avó.
4 comentários:
Ju, adoro seus posts... Nunca comento, mas leio sempre... Agora, tb tenho um blog (não sei por quanto tempo!), mas visita quando puder.. Sou uma das leitoras anônimas e assíduas!
Bjs
http://grabacupoftea.wordpress.com/
Assando biscoitos, escrevendo sobre moda em blogs, me enche de orgulho Julinha!! By the way, tô viciadinha também em She&Him. :)
sua conclusão foi sensacional !!!
Adorei a parte do telefone, muito boa!
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