Se alguém perguntar por mim diz que ando andando pacas, dentro e fora de estações de metrô que nunca estão onde deveriam. Diz que o único problema por aqui é a minha pele, que não suporta frio e que se rasga e se descola das pernas e do rosto. E o meu tênis, que está tentando me matar. Diz que minhas mãos estão morrendo e que meus olhos ficam encolhidinhos quando venta, e que pingo uma porção de colírio que felizmente os fazem arregalar-se nas horas certas. Diz que ando cometendo todos os pecados possíveis: que saltito pela Rive Gauche, que uso boina no Marais e que suspiro nas escadas rolantes do Pompidou. Diz que ando comendo pães por convicção, e bebendo vinhos por precaução. Diz que atravesso a London Bridge escutando The Smiths (até o ipod é clichê) e embarco no Eurostar cantarolando Rolling Stones. Diz que fico com mania de tirar fotos de crianças de bochechas vermelhas nos Jardins de Luxemburgo. Diz que sento nos cafés de Saint Germain e fico com uma vontade louca de escrever alguma coisa, nem que seja qualquer coisa, um postal, um diário, uma página pequenina do caderninho amarelo que divide a bolsa com a câmera. Diz que ando apaixonada pelo Capitão Haddock. Diz que desisti de usar os mapas que comprei ou as lentes de contato, aqui os óculos combinam. Diz que quase choro quando entro na Saint Sulpice e tem missa de domingo. Diz que começo a acreditar de novo nessa fé irracional que me faz acender vela na igreja medieval, que me faz achar graça em fila e nos preços em euros. Diz que até a Beatriz Milhazes passou a fazer sentido pra mim. Se alguém perguntar por mim, diz que piso em poças, atravesso pontes e olho para os canais de Veneza pensando em Charles Aznavour: adieu Pont des Soupirs, adieu rêves perdus*. Diz que encho as malas de máscaras enfeitadas e souvenirs cafonas que vão entulhar ainda mais as estantes. Diz que me desapeguei de revistas e de telefones, e que me divirto tanto sem poder ser encontrada. Diz que pouco importa se não entendo muito do que dizem no filme, e que não quero voltar, não agora, não ainda. Diz também que ando comprando cadernos, muitos, de todas as cores e tamanhos, e que por isso faço planos para escrevê-los, pode ser no meu quarto mesmo, pode ser na esquina da Rue de Rennes, pode ser no terraço de uma casinha branca em Santorini.
* Que c'est triste Venise, na voz de Aznavour.
4 comentários:
uuuui que inveja boa!!!!!!!!!
aproveita muito!
que lindo!!!
Lindo Julinha!!!!
Que coisa boa, que viagem divina!!
Diga à Paris que mando um Olá e que se Deus quiser em breve estarei de volta! rs
bjsssss
Ps. tem um selo para vc no meu Blog... não que eu ache que vc vá aderir alguma corrente... enfim...
Linda maneira de contar sua viagem.
Postar um comentário