terça-feira, março 22, 2011

A self-portrait

An eternal dreaming full with the sweetest excess of life 
Disquieted,
With uneasy pains within, in the soul.
Blazes, burns, grows for a fight,
heart smite.
Because of and insane astir with stirring desire.
Powerless is the agony of tought, meaningless, to reach toughts.
Were the language of the creator to speak and were there
Demons! 
Break the violence!
Your language,
Your signs,
Your Power. 

Egon Schiele, 1910.

Broadway

Fiz minhas malas de novo, peguei um trem pra longe e entre hambúrgueres e sopas de tomate resolvi ir além. Trem, pontes e marrecos pelo caminho, lagos que pareciam cercados de trigos, não tinha sequer como fotografar. Subi um caminho que poderia ser uma pintura do Hopper, vi tanto espaço e luz que dancei por entre riscos e cores. Tudo ali pode parar o tempo, e é pra esses lugares que sempre quero voltar: um castelo do século XVIII, uma praia onde se criam tartarugas, um jardim cheio de esculturas, a tela de um pintor. Virei a barra da minha calça jeans, cruzei as pernas, mas a pose funcionaria melhor se fosse você. Entendi que não se pode listar quadros que nos fazem nascer de novo, tampouco contar os blocos que nos separam de uma foto inesquecível. Qualquer cidade nova me faz andar. It might just be fantastic, don’t get me wrong*. Enchi a cara e ainda sinto os efeitos: ando alcoólatra esses dias, tomando apple martinis imaginários que me reviram o estômago como você faria, se pudesse. Guardei tickets, ingressos e ainda algumas poucas atrações para poder voltar, além de uma folha seca pra minha coleção. Apertei tanto os amigos que juntos explodimos e combinamos um dia, talvez, voltarmos a viver na mesma cidade. Combinamos também dias num barco, com sol. Não encontrei vazios ou buracos no skyline, não me escondi do vento, não economizei nos vestidos. Cruzei com tantas pessoas interessantes, teria feito tantos retratos quanto pudessem os negativos, mas depois do segundo dia perdi o foco. Fiz um novo álbum de viagem e voltei pra casa sem nenhum caderno a mais na bolsa. Eu soube ouvir e conversar sobre todas as coisas sem qualquer tropeço. Eu coube com perfeição entre você e as almofadas do teu sofá, e combinei de namorar o Daniel. Eu fiquei meia hora parada em frente a um Klimt e não vou saber explicar. Sempre chego inteira nos destinos e saio deixando pra trás alguma coisa. Dessa vez eu diria que foram as pernas, mas ainda não inventariei meus órgãos vitais pra ter certeza de que estão todos aqui. No trem de volta batia um sol no rosto e o ipod adivinhava tudo. De repente era possível ser estupidamente feliz. Será que se a gente tivesse mais das coisas, conseguiria saciar a saudade delas?



* Pretenders in Don't get me wrong.

quinta-feira, março 10, 2011

Noturnos


Para a minha coleção de palavras: cacofonia, desfraldar, pestanejar, negligenciar, mas não adianta, desaprendi a costurar. Penso cenas e pessoas em câmera lenta, penso o silêncio que não sei mais onde, penso os teus dentes ligeiramente trincados e, num estalar de dedos, você. Teu jeito de me ver sem se desculpar por me achar tão linda. Tudo de novo. Roesse as unhas e minhas mãos estariam em frangalhos.  Eu pergunto se isso que cobre a tua camisa é suor ou chuva e já sei a resposta. Minutos depois estaremos os dois despidos, tuas mãos pelos retalhos das minhas costas, escoliose e os teus calos, todo o nosso folclore reencenado. Penso destemor, cangote, superlativo, seqüestro. Penso em ter alguém com quem ser sensível. Li isso num livro. Demolir, vastidão, anarquia. Derrubar governos: não é isso que fazemos os dois quando juntos e vencidos? Caio num sono de inverno, acordo em outro país. Penso: tumulto.

segunda-feira, março 07, 2011

Reminiscências

(ou: a evolução da liberdade)

Praia de Ipanema, fevereiro, 2006 –

Orgulhosa de uma trança postiça que me serve de fantasia e alheia a toda a areia que entra pelo tênis, arquiteto com o grupo de amigos qual será o próximo bloco daquele dia. É sábado de Carnaval e bem perto de nós, dois ou três gringos bebem cerveja e observam tudo ao redor. Eles são o Franz Ferdinand, nós somos 6 ou 7 bêbados que resolvem se refugiar no meu quarto quando a chuva começa, porque não queremos nos separar, porque somos o epicentro dessa epidemia contagiante que faz qualquer um aprender a sambar, porque embora ainda tenhamos muitos dias de folia pela frente não queremos desperdiçar nenhum segundo. Acabamos de perder a cabeça juntos, dividindo os últimos toddynhos da despensa e os cobertores quentinhos da minha casa. Antes das seis da manhã a Bebel vai tocar o interfone, parte do grupo vai seguir serelepe para o Boitatá. Você e eu, ressacas e vontades semelhantes, vamos dormir até mais tarde, reintegrando a trupe depois do almoço. 

Búzios, fevereiro, 2007 –

Junto pequenos círculos de diferentes cores de tule com linha e agulha, são os detalhes finais da minha originalíssima fantasia de Colombina. Ela é uma cópia de um modelo da infância que minha irmã combinava com gel de purpurina no cabelo, nos anos 80, sabe-se lá onde. Ao embalo da rede eu alinhavo com calma as rodelas, dou alguns palpites no papo dos amigos cineastas sem poder imaginar que em cerca de uma semana estarei segura e ofegante na estação Carioca após um quase esmagamento em decorrência do Cordão da Bola Preta. Mais um sábado de Carnaval, dessa vez reúno forças para o amanhecer na Praça XV, de onde saio bem depois do meio-dia à procura de Coca-cola, ventilador e relaxante muscular.

Praça XV, fevereiro, 2008 –

É domingo de Carnaval e parte da minha saia de Colombina ficou presa num gelo baiano da Gávea no ano anterior quando ia de encontro a um bloco que não existe mais. Não sei como estou de pé, mas algo me diz que é preciso ter fé mesmo sob dilúvio. Estou de volta ao lugar onde a folia é mais feliz, onde executo pulos e coreografias que independem das minhas pernas.  Algo, porém, mudou. A cerveja não desce, a capa de chuva não impede que meus óculos se alaguem e meus pés afundam em poças até que começo toda a sentir frio. Entro num taxi com vontade de chorar: cadê meu Carnaval de arremesso de serpentinas, de beijos roubados, de alegrias desmedidas, de estandartes e Sanatórios Gerais?

Praia da Barra, fevereiro, 2009 –

Mergulho no mar, bóio e quase não noto quando o celular é levado por uma onda. É segunda-feira e eu não vi o Boitatá passar. Não corri risco de vida no meio da multidão suada. Não deixei rastro de confete ao entrar em casa porque a água das mangueiras de Santa Teresa lavou todas as provas de que estive no Céu na Terra daquele ano. Ninguém desconfiou quando afirmei que não fui às touradas em Madri e descobri como sobreviver a mais um mês de Fevereiro. 

Inhotim, fevereiro, 2010 –

Cansamos de especulações acerca da sexualidade de Zezé e nos refugiamos no meio de obras de arte. É quarta-feira de Cinzas na estrada, um padre e um índio me fizeram perder, um dia antes, a Orquestra Voadora e mais tarde juntos na praça Pio XI preferimos deixar o Último Gole pra trás. Nos recolhemos já foscos, cansados, sem disfarçar suspiros e uma saudade tímida do Empolga às 9h de quatro anos antes. Paramos o carro para esticar as pernas e conferir o mapa. Não sabemos da massa fresca que nos espera pro jantar, tampouco adivinhamos que um quadrado mágico número 5 pode ser mais divertido que entoar marchinhas da década de 30 cercados de gente que ostenta antenas, agora ridículas, na cabeça. Dentro de poucas horas estaremos libertos, convencidos de que podemos viver sem mais um Carnaval e sem toda aquela gente bronzeada e feliz arrastada pelos cordões. Brumadinho é o nosso grito do Ipiranga.

Rua Capitão Salomão, Botafogo, março, 2011 –

Já não me importa o caráter de Aurora, há tempos que o amor de Pierrot e Colombina parece mais sem sentido que qualquer um dos meus ex-namorados e não suplico mais pra que você não me esqueça ou não desapareça. Bandeira branca, amor. Não posso mais, e ainda assim lá vamos nós. Esvaziamos latas de cerveja sem muita convicção e todas as conversas convergem para aqueles anos dourados onde éramos felizes dentro de narizes de palhaço e metros de poliéster, e onde fazer xixi na rua era condição sine qua non dum Carnaval de rua sem banheiros. Entre uma melancolia e outra, a vendedora de cerveja informa que estou resistindo bravamente a mais uma festa de Momo sobre o cadáver de um rato cujas tripas estão para fora. Estamos em frente à casa da Matriz, qualquer menção a Ozzy Osbourne seria plenamente justificável, mas um rato morto com as tripas para fora me põe a correr antes mesmo do batuque começar. Em poucos minutos estou com um grupo de amigos desiludidos gastando fortunas num de nossos restaurantes preferidos. Crônica de uma morte anunciada, somos defuntos cabisbaixos querendo passar adiante todas as idéias de fantasias que prometemos nunca mais usar. Caímos de boca na vodca, uma Madonna e um Robert Smith se juntam a nós, e de repente lá estão novamente o padre e índio do ano anterior, ambos mais velhos, com menos alegorias e adereços. Eu vomito todo o risotto de limão siciliano, horas depois, no aconchego do meu banheiro. Minha bota que, mais cedo, supostamente esmagara as tripas de um rato, repousa na varanda até que a terça-feira de Carnaval me acorde.

Recebo mensagens de amigos que ainda não perceberam que estou liquidada, velha ou tanto faz. Por sorte tenho um vôo a pegar. Amanhã, eu sei: luvas e o direito a uma alegria fugaz: todos os quadros do Hopper só pra mim.

sexta-feira, março 04, 2011

Estação Vivo Gávea

Acomodados nas poltronas da fila E, distância ideal entre nossa emoção e a tela, ele vai propor um combo de guloseimas, pedirei licença com ar de quem não queria incomodar, voltarei com doces além da conta, que me acudirão quando achar que não poderei mais evitar a explosão de tanta lágrima. Ele vai ficar com os dedos melados de tanto sal, nossas barrigas proeminentes de tanta Coca-cola, nossos peitos comprimidos por tantas indicações ao Oscar. Disfarçaremos a vermelhidão dos olhos atrás das hastes que nos corrigem as miopias, compraremos chicletes pra tirar o gosto, ele me beijará na fila do pagamento do estacionamento. Ele confessará que chorou naquela outra parte também, que sentiu insuficiência de pernas quando levantou junto dos créditos. Eu vou sorrir devagar, dizer que entendo. Ele me perguntará se sinto esse frio na barriga, às vezes. Ou contorções do estômago. Confessarei que as minhas borboletas não habitam meu abdomem, que elas voam pelos meus pulmões.