quinta-feira, maio 26, 2011

We few, we happy few, we band of brothers*

Como te explicar?

Entrei naquele lugar esperando que ali houvesse somente mais uma livraria charmosa, como quase todas daquela cidade são. Mas desde a fachada percebi que não sairia isenta dali.

Livros abarrotados em prateleiras e mesinhas meio tortas, meio velhas, meio como num cenário de filme onde tudo é de um jeito que até faltam palavras. Não cabem adjetivos.

Eu entrei ali e fui passando os dedos sobre diversas capas e títulos, enquanto olhava aquele teto antigo, prestes a despencar. Postais, papeizinhos, uma bagunça de coisas penduradas por entre toda a literatura. Não sei quantas pessoas estavam ali, hipnotizadas como eu. 

Subi as escadas guiada por um piano que parecia vir do andar de cima. Percorri os cômodos até encontrar: um sujeito qualquer, que visitava a livraria, assim como eu, assim como a mocinha que aproveitava uma poltrona ao lado, assim como o casal que olhava a vista da janela. Ele tocava uma melodia que poderia ser Mozart, Chopin ou até mesmo uma bobagem qualquer. Ali dentro tudo tinha uma aura diferente, quase religiosa.

Devo ter ficado cerca de 40 minutos em meio a almofadas vermelhas e livros infantis. Naquele canto havia um painel improvisado com bilhetinhos, fotos 3x4, desenhos, cartas, declarações, cartões-postais, ingressos de metrô usados, de gente de todo o mundo. “Thank you. I needed that.”, dizia um tal de Elliot.

Só levantei dali quando o sujeito ao piano foi embora. Durante todo o tempo que permaneci na livraria tirei fotos e chorei um choro fino. A vida era tão boa naquele dia, e não só. Horas antes eu tentara entrar na Notre Dame para agradecer tantas coisas, mas a fila me assustou. Talvez aquele pequeno cantinho dos leitores tenha servido como altar, e saí dali com a sensação de que os deuses haviam me escutado.

O que eu senti, não posso te contar, porque é daquelas coisas que a gente guarda em segredo pra ninguém roubar ou tentar estragar. As pessoas que passaram por mim e me viram ali, com olhos vermelhos e nariz fungando, me sorriram solidárias, compreensivas. É, me desculpa, eu bem que tentei, mas esse capítulo eu não sei como contar.  


* William Shakespeare , Henry V.

terça-feira, maio 24, 2011

Parênteses III

Enquanto nada acontece por aqui, to dando expediente no Meu Paletó - tentando decifrar o mundo dos hipsters, falando de maiôs de 400 euros e me achando loucamente só porque tenho um vestido da Madame Grès (sonhar não custa nada). Além disso tem um bilhetinho pras sneaker-lovers mais bacanas que conheço lá no blog delas: Vamos de Tenis. Clique aqui se você é um dos 3 leitores que entram neste blog segundo o Google Analytics e dê sua audiência a outras praças (e por favor, me ajude a decifrar porque a letra daqui tá tão pequenina, já fiz de tudo e nada).

Parênteses II

A vida está cheia de almas gêmeas, e eu descobri mais uma depois de ler esse texto do André Forastieri (via Eugene, o dj que salva vidas).

sábado, maio 07, 2011

Ticket to ride


Jamie Lidell não cantou minha música preferida no show de sexta-feira, o que pode estar diretamente ligado  ao fato de eu ter perdido o voo para Berlin hoje. Coisas aparentemente desconexas podem ser intimamente relacionadas quando eu sou a pessoa por trás da teoria. 

Tento me acalmar enquanto decido se chá é bom, ou só água quente. Parto para a cerveja minutos depois e meus lábios incham e fico rosa e coçando e alien. Aposto que é reação alérgica a um dos novos cremes da dermatologista. Edito a nécessaire e acrescento Polaramine na bolsinha de remédios. Há que se ter disciplina e ócio pra cumprir o roteiro da Dra. Luisa, que subiu para o topo da lista de pessoas que eu espancaria hoje. 

Choro e auto-xingamento, é o que se pode ter em dias como esse, além de uma saudade eterna de acentos ortográficos que nem eu mesma vivi.

Mas triste mesmo eu fiquei quando soube que o porteiro da noite, protagonista dos momentos áureos deste blog, quem diria, pediu demissão... 




quarta-feira, maio 04, 2011

Considerações sobre um i-pod

(ou: sobre como a Amazon pode ser um braço da CIA)

Eu desconfio da tecnologia e das modernidades do meu tempo, e demoro mais que todo mundo pra me adaptar. Acho um horror os celulares em cima das mesas de chope, tenho ojeriza ao BBM que nos rouba as pessoas do mundo real e ando até com dificuldade de acreditar em fotos. Acho incompreensível a horda de gente que percorre o MoMA disparando câmeras de celular dos Matisses sem nem olhar pra tela da pintura, e também não vejo sentido em fotografar incessantemente shows – a música está ali, tem coisa melhor do que dançar ao vivo? 

Eu sou do tipo que ainda coleciona cds e estou ciente de que corro o risco de ficar ultrapassada. Minha câmera de retratos é analógica e recentemente comprei uma polaroid genérica (Fuji). Não me lembro quem, há pouco tempo, perguntou se eu era de outro século, eu disse que sim.

A contradição fica por conta dos dois i-pods que chamo de meus. Não é culpa minha, ambos foram presentes de mãe e pai, e esse poderia ser o único episódio típico de pais separados em guerra pelo amor de uma filha. A história, porém, é bem diferente, e bem menos emocionante. Diante do fato de ter dois i-pods, eu tive que sucumbir e encarar o mundo de torrents, downloads e afins.

A angústia que o conceito do i-pod me causava era a mesma que a minha câmera digital despertava: pra que tanto? Eu mal terminava de ouvir uma faixa e já passava adiante ao saber que aquele aparelho carregava o equivalente a mais 5,4 dias de músicas. Mal enquadrava uma paisagem e já me sentia compelida a registrar qualquer outra imagem. 500 fotos eram facilmente feitas em um fim-de-semana na Bahia. Era mais tempo olhando a tela da máquina que comendo acarajé.

Depois de muitos meses de luta e adaptação, levantei bandeira branca pro i-pod. Meu método talvez não faça sentido, mas tem funcionado. O i-pod amarelo recebe apenas os downloads novos de determinada semana. Eu não baixo nada inédito até ter escutado tudo aquilo. As músicas e discos aprovados seguem, então, para o i-pod verde, o amarelo ganha novos sons e assim sucessivamente. No fim dá no mesmo, eu continuo angustiada porque a lista de músicas que gosto de ouvir só aumenta. Mas me engano um pouco, e graças a esse esquema já parei de tomar ansiolítico. Como nem tudo é perfeito, acabo comprando pela Amazon alguns discos, pra ter certeza que parte de tudo continuará existindo caso eu seja assaltada.

De posse de um cabo que conecta o i-pod ao som do carro, a relação melhorou ainda mais. Pela orla, de vidro abaixado, eu começo a amar Os Mutantes e danço de me acabar com a lista de Prozac Songs.

Até que um dia, percebo: meu i-pod é sensitivo.

A explicação é bem simples: eu voltava do Centro, pela praia de Ipanema, e o i-pod estava no modo aleatório. Eu pensava na saga que havia travado com o ingresso.com na madrugada anterior por conta do show de Paul McCartney e de repente escuto os primeiros acordes de Band on The Run. Por motivos óbvios, pensei na Ritinha, e a próxima música foi uma que descobrimos juntas um dia qualquer em que comíamos cachorro-quente. Espantada, continuei: era pensar nos amigos e em todos que tinham participado efetivamente da minha vida naqueles últimos dias que suas músicas tocavam. Era batata!

Fiquei obcecada pela teoria que começava a desenvolver mentalmente. Bati de carro e, catatônica, desliguei o i-pod. Jurei que nunca contaria a alguém que meu i-pod adivinha humores, pensamentos e gente. Era inverossímil demais, e certamente deveria haver qualquer justificativa para tudo aquilo, e ela não devia ser astrológica, emocional ou desvairada.

Vida que segue. Até que, numa quarta-feira de manhã, numa semana cheia de emoções fortes, abro um e-mail da Amazon, que gentilmente me sugere comprar 8 cds, 5 dos quais eu havia baixado na semana anterior. Meu queixo caiu. Eu sei, deve haver uma explicação racional envolvendo bits, cookies, número de ip ou coisas que o valham, mas no meu mundo avesso a tecnologias, eu ainda lido com espiões secretos e investigações sigilosas que envolvem negativos e envelopes com fotos, lupas, trench-coats e chapéus Fedora. Eu não hesitaria o palpite de que o e-bay é o próximo site a me investigar, e não levantaria a sobrancelha ao descobrir que o Juveny, que consertou minha Pentax, é o agente secreto de tal missão. Nesse mundo, há que se desconfiar de todos.

Como disse a minha prima, que também crê que estou sendo perseguida: eles estão nos espionando. Espero que gostem de nós.