segunda-feira, junho 20, 2011

If I can make it there


-       Mas o livro dizia o que, afinal?
-       Dizia o que todos os livros de auto-ajuda dizem, mas esse me fisgou, entende?
-       Não, não entendo. Sinceramente, não entendo porque nunca li algo do gênero e não acredito que auto-ajuda "fisgue" alguém.
-       É, eu sei, eu também sou muito preconceituosa.
-       Não é questão de preconceito, é incompatibilidade. Quem lê Faulkner não pode ler auto-ajuda. Quem lê Camus não pode acreditar nessas coisas.
-       Sei, sei. Mas quem vê cara não vê coração. E Quem ama não adoece.
-       O que?!
-       É o título de um dos livros mais vendidos de auto-ajuda.
-       E é com esse argumento que você vai tentar me convencer? Títulos?
-       Os títulos são o primeiro motivo, uma vez rendida a ele o resto vem, pode apostar.
-       Duvido.
-       Um exemplo: Quando termina é porque acabou. Vai contra tudo o que o Lenny Kravitz nos cantou durante anos e anos. E faz muito mais sentido.
-       Qualquer coisa faz mais sentido que o Lenny Kravitz.
-       Mas eu juro, você vê o resultado. É tipo um grupo de apoio, mas sem a chatice de ter que conviver com as pessoas, entende?
-       Não, continuo sem entender patavinas.
-       Ok, eu vou te explicar. Vou te dar um exemplo prático: eu.
-       Você não é confiável.
-       Claro que sou. Eu fui a cobaia da minha própria experiência. E além do mais, você anda consultando horóscopos, se apegando a planetas e tal. Fé é indiscutível, você devia saber.
-       Ok, vou te dar uma chance. 
-       Caiu nas minhas mãos esse livro que diagnosticava os perfis amorosos e apontava os medos e inseguranças e tal. De repente eu me vi ali descrita em frases meio cafonas, sabe?
-       Depois de anos de análise você foi se apoiar em frases cafonas?
-       Mas é que ali não tem o peso do consultório, nem  o preço da consulta, e nem, enfim. Tanto é que dá certo que eu providenciei dois encontros na mesma semana.
-       Tomou iniciativa e tudo?
-       Exatamente. É isso o que um livro de auto-ajuda deve fazer pela gente, certo? Pró-ativismo!
-       E como foram os encontros?
-       Eu faltei a eles.
-       Você convidou dois sujeitos pra sair e não apareceu em nenhum encontro?!
-       Um sujeito, dois furos. E eu avisei que não iria. Eu realmente estava vivendo dias atribulados. Priorizei outras coisas e...
-       E você quer me convencer de que um livro de auto-ajuda está realmente te ajudando tendo em vista o fato de que nenhum encontro se concretizou. E pelo que eu me lembro, seu problema não era dessa natureza, ele começava sempre depois do segundo ou terceiro encontro.
-       Verdade. Aí é que está a questão. Eu só li dois capítulos do livro. O resto ainda não foi traduzido. Daí que a solução só veio metade, sabe? Eu convidei, mas o segundo passo, o de aparecer, não rola ainda. Fico em pânico!
-       Mas por que essa vontade súbita de ter alguém? Você sempre me pareceu uma solteira convicta.
-       Eu era. Mas outro dia enveredei uma conversa sobre relacionamentos com alguém e tentei convence-lo de que eu era mesmo muito complicada e tal. E que por isso não engatava nada sério com ninguém. Aquele velho “o problema não é você, sou eu”. Mas aplicado a mim mesma.
-       E...?
-       E aí que ele argumentou.
-       Desenvolva.
-       Ele disse que achava muito fácil gostar de mim e tal. Que não podia acreditar que eu era tão difícil assim. Ele foi enfático o suficiente pra eu me convencer de que sou muito mais simples do que sempre pensei. 
-       “Se eu sou algo incompreensível...”
-       “Mistério sempre há de pintar por aí.” A culpa é dele.
-       Se ele soubesse...
-       E ainda mais, não é muita coincidência eu ter que ler dois capítulos de um livro de auto-ajuda que fala sobre dificuldades de relacionamentos quando eu to justamente disposta a trabalhar isso?
-       Tanto anos de análise... Tantas conversas sobre atualizar o outro e você esqueceu de atualizar você mesma.
-       Não fosse o discurso do sujeito eu estaria aqui muito quieta, levando minha encalhada vida adiante, sem nem pensar nisso.
-       Bem, tecnicamente você continua encalhada. E cá entre nós, eu te falo isso há anos. Foi preciso cruzar um oceano pra se convencer?
-       Eu sei, eu devia ter te dado ouvidos. Mas já entrei na aula de alemão, pra ler o restante do livro. Daqui a uns 5 ou 6 anos eu devo conseguir entender tudo. É uma boa perspectiva, não acha?
-       Acho que existem métodos mais eficazes. Tipo aparecer nos próximos encontros que você marcar. Ver que não é tão assustador assim quanto parece sair com a mesma pessoa por duas semanas.
-       Ah mas e a preguiça? Você acha mesmo que as pessoas são tão interessantes assim? Acho que me motivei pelo fato de de repente ter me descoberto muito mais legal do que eu pensava, e menos complicada também, entende? Aí achei que mais gente além das 4 ou 5 pra quem dou atenção irrestrita merecia desfrutar de mim mesma. Mas no meio do caminho mudei de ideia. E fui pra casa gravar um “Auto-ajuda songs” pro Marcelo.
-       Poucas pessoas são de fato mais interessantes que o Marcelo.
-       Raríssimas. E ainda tem a pilha de livros aqui pra ler...
-     Quem mexeu no meu queijo feelings?
-    Que nada. Balzac, Houellebecq, essa francesada.
-       E agora?
-       E agora nada.
-       Não dá pra re-convidar?
-       Até daria. Mas depois de ter amarelado, preciso ler alguma outra coisa pra me dar confiança de novo, entende? Hoje na hora do almoço entrei numa livraria duvidosa do Centro da cidade e fui direto pra gôndola de autoajuda. Confesso que me deu uma certa vergonha.
-       Rá. Eu sabia. Você não frequentaria a auto-ajuda da Travessa, aposto. Muito menos a da Argumento.
-       A da Argumento nem pensar, seria um downgrade na minha imagem. Todo mundo me conhece ali. Não seria mais aceita nem no café. Já pensou?
-       Alors, de volta à estaca zero.
-       Pois é...
-       Mas e esse disco do Marcelo, tem o que?
-       Tudo o que poderia ser classificado como autoajuda se a música tivesse esse gênero. Ain’t no mountain high enough, Tente outra vez.
-       You gotta be?
-       Bad, bold, wiser, hard, tough, stronger, cool, calm, stay together. Imagina tentar ser tudo o que diz essa música? Teria que existir um livro pra cada resolução. A pessoa desiste na terceira palavra e volta pro Lenny Kravitz na hora. Tem Queen também. The show must go on. New York, New York. Tem música mais autoajuda que New York, New York?!
-       Não, não tem. Você devia ganhar a vida fazendo coletâneas bizarras pro Marcelo. Devia haver um modo de isso se expandir em escala industrial.
-     Eu sempre achei. O mundo merecia minhas coletâneas. 
-     Taí, mais um motivo pra você não faltar aos cafés que marcar futuramente. Mas e o disco, fecha com que?
-       All you need is love...

Um comentário:

Anônimo disse...

"It's up to you".