domingo, julho 31, 2011

Corrosão


(um post com 2 epígrafes)

Só não dói mais porque não é preciso.
Se fosse o caso, a dor era pior.

Paulo Henriques Britto in Trovar Claro.

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porque eu não sei o que é uma nêspera
ou como as coisas são sem mim. 

Marcello Sorrentino in Um pequeno sistema de incerteza.

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Quanto mais você não está aqui mais eu te invento neste lugar onde eu nunca estou: uma casa que não conheço, escadas que não sei onde vão dar, discursos que jamais saberei decifrar, músicas que ficarão quietas, coreografias que não vou saber dançar.

Quanto mais eu não consigo chegar até você, mais caminho se abre à frente, mais buracos pelo asfalto, sinais sempre fechados, ausência lancinante em cada esquina em que não estaciono pra te abrir a porta, te ver entrar.

Quanto mais você não volta, mais vai embora. Quanto mais teu CEP desconhecido, tuas mãos organizando estantes e coleções de discos que não compartilharemos. Quanto mais correspondência devolvida, mais cortinas nas tuas salas, e mais poesia nos meus braços.

Quanto mais não ver tua cara, mais desbotam as fotos, e invento outras imagens, quase todas desfocadas pra poder te desenhar no meio. Quanto mais a vida sem você, mais eu sozinha.

2 comentários:

Jeanne Duval disse...

Uma amiga uma vez disse que era necessário aplicar a lei do vaso com água. Ao empurrar o vaso, o conteúdo faz o movimento contrário na nossa direção. Nunca vi isso dar certo. Ao fazer o movimento fica sendo como você escreveu: "Quanto mais você não volta, mais vai embora."

Julieta disse...

Sim, Jeanne, a lei do vaso ilustra com perfeição. Dá vontade de tentar, só pra se convencer de não conseguir (todo mundo tem um lado "só um tapinha não dói").