sexta-feira, março 15, 2013

Efeméride

“Perante o vazio, [o bailarino] está só, de uma solidão que o arranca para fora de si. Está só e fora de si. O seu gesto vai na direção dos outros corpos. Como dançar esse gesto? Como fazer? ‘Fazendo-o’, diz Cunningham.”
José GIL. Movimento total. O corpo e a dança. Lisboa: Relógio d`Água, 2001.

Filha, anote meu telefone. Eu sou espírita e tenho uma coisa pra você. Foi o que disse, ipsis literis, a senhora que emparelhou ao meu lado, em Botafogo, a caminho da volta às aulas. O ceticismo decide que é golpe, mas a vontade acelera um pouco a cadência do peito. Perco a mulher de vista. Na Casa da Empada um temporal se arma, e entre Deleuze, Artaud e Pina um planeta retrógrado indica que é um tempo favorável para releituras – foi o professor que disse, rindo encabulado por resolver acreditar em astrologia. Duas semanas depois, Deleuze guarda os seus ecos, sua voz, e eu não encontro estômago pra estudar.

Perto da impressora do trabalho, depois de uma reunião cujo tema era Clarice, encontro uma barata morta. “Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu” – está lá, na primeira página da Paixão segundo G.H. Se isso é coincidência demais?

E não é coincidência também que, depois de ouvir “Space oddity” pela centésima vez, só ontem eu tenha me dado conta de que o Major Tom morre no fim da música? Achei tristíssimo.  Chorei potes.

As pessoas morrem. E chega o dia que faz um ano que elas morreram.



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