Que
dias há que n’alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.
Camões
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei por quê.
Camões
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Identifico-me ao porteiro, que
trata logo de abrasileirar as coisas, e assim entro em casa de Manu. De repente
é muita gente com o mesmo nome nos meus dias, e eu penso se isso é evidência de
alguma coisa: pretexto, horóscopo ou um destino inescapável – cancelar o
inverno alemão e ir ler Pessoa à beira-mar.
Mas ainda é quinta-feira, Manu
tem um sotaque francês que eu adoro, uma habilidade para fazer coisas – tranças,
cartões, cadernos – e talvez seja o mês, o horóscopo ou um pretexto: tem sido
muito difícil não gostar das pessoas, de pisos de taco, das calçadas do
Flamengo.
Na janela L. e eu falamos de
encontros – ainda que pela metade – e trocamos um daqueles abraços que só mesmo
na primavera, e agora parece-me impossível
narrar isto que ainda se dá em algum lugar de nossas barrigas e ressacas,
porque Manu faz de suas delicadezas carimbos – reais e metafóricos – e eu não
tenho preparo emocional para tanto: uma poção mágica da Mongólia; um foie gras
feito pela avó já falecida, armazenado em pote datado; a foto da avó, de negro,
imponente; hortelã com rum em copos de geleia com enfeite artesanal feito com a
mão dela – e penso nos copos do Pedro e quero ter uma casa toda
assim, com objetos transformados, coisas que eram outras, interferências –
conquistar um território.
E toda aquela revoada de
pássaros espalhada por ali, ou nuvens, porque tem sempre alguma coisa que voa em dias
assim.