pessoas são permeáveis ou
impermeáveis, mãe?
Muito antes de tudo isso
acontecer eu tinha andado por Santiago atrás de todos os livros possíveis do
Alan Pauls e do César Aira. Eu tinha até pensado em mudar o destino,
desembarcar em Buenos Aires, entrar numa livraria e sair um ano depois,
hablando sola e cantando uma música do Devendra, uma que talvez ainda nem
existisse, mas que meses depois seria mais ou menos a trilha sonora perfeita
daqueles dias.
Antes, também, num café com P.,
a gente tinha trocado figurinha sobre alimentação saudável: o que M. achava
impossível, visto que eu era irônica demais para ser hippie; o que L. achava
meio hilário, a ponto de revelar que houve um tempo até que eu passava ghee no
olho (e Aira riu) – o que não nos impediu de encher a cara de cerveja e pão com
manteiga, mesmo que eu estivesse com a pior dor de garganta do mundo e que a
nossa mesa fosse praticamente numa esquina onde ventava pacas.
César escolheu o magret por causa do comissário Maigret, e eu ri lembrando da aula de francês em que
desisti do Simenon por ter chegado à conclusão que Madame Maigret era uma
submissa e que seu marido era um machista. Sim, eu já fui dada a extremismos,
muito antes de tudo isso acontecer.
Tentamos arrancar dele o que
fosse, desde as declarações mais banais até um spoiler de um livro futuro.
Conseguimos uma ideia para uma novela que ele gostaria de escrever, mas foi P.
quem me fez rir de novo, dessa vez para todos, quando disse que tinha comprado
uma centrífuga e que incluíra o episódio do suco verde em sua peça de teatro –
o que ao mesmo tempo me fez ficar vermelha de vergonha.
César ficou ali à deriva em
meio ao nosso português, a uma ou outra declaração não-ortodoxa sobre a vida
conjugal de Alan Pauls (chacun son coluna social) e outras gentes mais próximas,
algumas delas em estado de pré-surto (ou cocaína, como sugeriu M.). No fim da
noite o mistério permanecia no meio sorriso insistente de César, e quando ele
pediu uma sobremesa de morangos fui sensata o suficiente para perder a piada
óbvia e sem graça que eu poderia fazer – obrigada, a quem quer que seja o
responsável.
O fato é que aquela combinação
de morangos com o vento e o cigarro que César fumou depois – e que eu fumei
junto em pensamentos – pareciam a mim muito fieis a duas novelas que ele já
tinha escrito, que eu lera embasbacada, que eu não sabia mais quantos delírios
continham, e eu fiquei quietinha vagando pela minha cabeça de leitora
paranoica. Mas é incrível: assim como livros, tem vidas que não existem, e eu fico monga
em eventos desse porte. Hay que aceptarlo.
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