sexta-feira, outubro 28, 2011

I'm gonna crawl*

Não posso ignorar minhas próprias obsessões, e depois de ler esse texto, tá decidido: passarei as próximas férias em Berlin nadando com Bernardo Carvalho.


* Led Zeppelin

quinta-feira, outubro 27, 2011

Para o Marcelo

 
O processo de digestão das coisas boas é sempre mais complexo que o das coisas ruins. De um jeito ou de outro, com mais ou menos esforço, mais ou menos suor, mais ou menos palavrões, as coisas ruins a gente deixa por aí, porque acabam saindo de alguma forma: no mar, em folhas de caderno, em sapatilhas de ballet, em 3 atos de uma tragédia ou em 4 taças de margarita.  

Felicidade, geralmente, só sei no dia seguinte, quando fico pairando em vez de andar. 

Felicidade é mais caro, me dá muita solidão e um problema que ainda não sei enfrentar. Fico uma tarde inteira sozinha na praia, tentando guardar as sensações e barulhinhos que o corpo faz, numa tentativa de reter tudo o quanto for possível, segurar com os dentes e as mãos, porque não quero esquecer, não quero perder nenhum detalhe, quero guardar. 

Bate um mutismo que parece irreversível. A desconfiança de que ninguém entende. Nenhuma música é possível, e nem mais nada. Felicidade se apropria das entranhas, é latifúndio do corpo. Eu só queria que tivesse um botão que fizesse parar de chorar e então ia começar a te dizer tudo o que eu queria. 



(esses pequeninos parágrafos estão sendo escritos há dias. Ficaram empacados pelo mutismo que a felicidade causa. Hoje o Marcelo ganhou o prêmio de melhor diretor pelo seu primeiro filme, entitulado "Testemunha 4", que foi exibido na Semana dos Realizadores. Tem repescagem dia 5/11 no Instituto Moreira Salles, RJ)

quinta-feira, outubro 20, 2011

Com que roupa

Às vezes a revolucionária que há dentro de mim desperta. Hoje ela acordou aqui.

Hoje, também, seria aniversário de Rimbaud. E ontem de Vinícius de Moraes. Eu ando amando o Paulo Henriques Britto. Fazer o que?

Nenhum sinal da solidão se vê
lá onde o amor corrói a carne a fundo. 
Dentro da pele, no entanto, você
é só você contra o mundo. 

Esta felicidade que abastece
seu organismo, feito um combustível,
é volátil. Tudo que sobe desce.
Tudo que dói é possível.

segunda-feira, outubro 17, 2011

Agora não


And people they don’t understand
No, girlfriends they can’t understand
In spaceships, they won’t understand
And on top of this I ain’t ever gonna understand

The Strokes in Last Nite



Eu sou muito legal. Tão legal que não deveria me justificar no meu próprio blog, e se você vem aqui há muito tempo (ou há pouco tempo também) já deve ter percebido isso. Eu sou imperdível. Se eu fosse enumerar minhas top 5 qualidades, ia ser difícil pacas. Eu falo “pacas”, só isso já faz de mim uma pessoa peculiar, e pessoas peculiares costumam ser bastante engraçadas. Domingo o Marcelo disse que eu sou hilária. Até o Gustavo, que nunca me viu na vida, disse que eu sou diversão garantida. E sou mesmo. Tenho sempre uma história pra contar. E sou muito disponível pros meus amigos: encaro festa falida em play de prédios estranhos, topo ser apresentada pra gente que sua exageradamente, faço cópias de fotos impressas pra eles guardarem de lembrança, mando cds temáticos por correio pra todo mundo ficar de bom humor no trânsito na terra da garoa. Coleciono tirinhas do Snoopy pros momentos em que as pessoas precisam respirar, aviso por email sobre todas as promoções de livros que descubro, aviso por mensagem quando a praia tá esperando. Quer mais? Ajudo a comprar roupa, sempre encontro a ponta do durex, sou boa com molduras, conheço o endereço dos melhores brigadeiros, bebo cerveja ou drinks elaborados, sei um ou dois passos de dança descolados e tenho o sobrinho mais bochechudo e gostoso da cidade. E uma Polaroid. Além de imperdível eu sou também inesquecível. Ontem, no bar, um sujeito que era amigo do namorado de adolescência da minha irmã lembrou de mim. Um francês que conheci num trem a caminho de Paris, no meio de uma nevasca pré-natalina também lembrou de mim quando me encontrou, semanas atrás, na Cinelândia. A minha professora de natação me chama de Juju. Até a Anne Rice me acha lovely!

Então por que eu sou constantemente abandonada é uma resposta bastante complexa de se resolver, possivelmente um mistério sem solução. Além de ser muito legal por todos os motivos acima citados, eu estou sempre cheirosa, bem vestida e dou carona pra todo mundo no meu carro. Dirijo bem, sei fazer baliza e no porta-luvas moram trilhas sonoras confiáveis. Talvez um dos meus poucos defeitos seja não saber a regra dos porquês. Não faz o menor sentido, portanto, que toda primeira vez que eu saia com um sujeito legal ou bonitinho acabe virando também a última. Menos ainda que 45% dos meus amigos mais queridos tenha ido morar do outro lado do oceano. Quando nenhuma criatura tá a fim de dançar a madrugada toda na casa da Matriz ao som de um dj da minha inteira confiança, eu evoco um deus pra tentar decifrar o motivo. Mas o cúmulo da rejeição, dessas impensáveis, é o fato do MAM me ignorar sistematicamente. Quando uma instituição aparentemente falida decide por não te aceitar no círculo de amizades dele, é que alguma coisa está fora da ordem.

Clayton Fabio, o astrólogo, explica. Eu explico também: desde que voltei a trabalhar no centro da cidade, o MAM virou local de peregrinação. Eu almoço lá, decoro minha casa imaginária com os móveis da lojinha, vejo metades de exposições quando sobram 20 minutos da hora de almoço, passeio pelo jardim de pedras e faço planos de voltar no fim do dia pra assistir um filme na Cinemateca. Dia desses, então, porque me pareceu uma solução obvia demais, me inscrevi para ser “amiga do MAM”. Entreguei o panfleto preenchido para o sujeito da chapelaria, que sorridente garantiu que a pessoa responsável entraria em contato comigo pra que eu pudesse efetuar o pagamento da anuidade. Semanas se passaram até que tomei coragem de ir lá perguntar o que estava acontecendo. Preenchi novamente o formulário, entreguei ao mesmo chapeleiro sorridente, e nada. Nenhum contato. Nenhum telefonema. Nenhum email, e eu tenho vasculhado o SPAM diariamente. O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro não quer minha amizade. Faz menos sentido que qualquer obra contemporânea concorrendo ao Prêmio Pipa.

Marcelo acha que eu sou a primeira cidadã a me candidatar a tal empreitada, e que Luiz Camilo Osório e cia estão reunidos em cúpula, pensando o que fazer e/ou elaborando uma carteirinha cujo design ainda não sabem se será assinado pelo Cildo Meirelles ou pelo Tunga.

Clayton Fabio, o astrólogo, é mais certeiro: a minha casa afetiva está bem vazia. Isso não explica, porém, os abandonos e a rejeição. Ele não disse que a casa estava sendo evacuada. Ele não disse que eu estava perdendo gente, ele só confirmou que o marasmo nas relações deve durar ainda um tempo. Ele chegou mesmo a empregar a expressão “um longo e tenebroso inverno.” Eu não sei como pode ficar mais tenebroso que o atual quadro, que já está abstrato o bastante.

Sem saber o que fazer, deixei escapar uma lágrima quando Clayton Fabio, o astrólogo, sentenciou minha solidão. Ele sacou que o assunto era espinhento e foi logo passando pro próximo, que tinha a ver com o fato de fazer exercícios. Clayton Fabio, o astrólogo, foi convicto ao afirmar que eu não podia abandonar a natação. Ele disse que preciso de muito alongamento muscular. Mas pra mim é óbvio demais: a abandonada sou eu, e portanto só resta me agarrar com unhas e dentes a tudo o que eu puder reter, especialmente se tal objeto produzir endorfinas. Clayton Fabio, o astrólogo, viu a natação como minha última boia de salvação.

Por alguma razão que, desconfio, pode ter a ver com a posição dos astros no céu, o Tiago me deu um dvd do Peanuts de presente semana passada, e a Eugênia deixou um monte de livros na minha mesa de trabalho, frisando que todos eram para “uso pessoal”, logo a Eugênia, que também ri comigo e me acha engraçada...

O que mais eu posso fazer pra te convencer? Eu sou muito legal. Juro. 

quinta-feira, outubro 13, 2011

Ali onde teu doce voo se detém*


Sem dislexias ou mudanças, dessa vez obedeci ao que sugeriu o Pedro Lago: um texto sobre sexo oral e a Nona Sinfonia (e se isso for contravenção, então confesso que escrevi ouvindo os Noturnos de Chopin por Nelson Freire, que acabaram tendo participação especial no texto). 
::

De onde eu estava, via o topo da sua cabeça. Fios brancos despontavam aqui e ali. Seus dedos cravados nas minhas coxas. De onde ele estava, se levantasse os olhos, poderia adivinhar meu sorriso escapando entre uma ou duas almofadas. Meus pés em suas costas. Pensava se minhas unhas estavam bem cortadas. Sempre pensava nessas coisas quando havia uma cabeça entre minhas pernas, até sentir uma penetração mais profunda, como se algo me espetasse, então esquecia das unhas e fechava os olhos quando o mundo começava a se apagar à minha volta.

Do sofá de onde agora o observo dormir, refaço os passos que nos trouxeram até aqui. 

Alguns dias antes, da mesa do almoço, podia ver que ele tomava a mesma sopa que eu. Não era destino nenhum, era apenas inverno no centro da cidade, e o fato de que a sopa era a melhor sugestão daquele cardápio. Via o caderno de esportes do jornal na cadeira vazia à sua frente, o celular ao lado do prato, certa calma em sua fome, e a barba. Uma barba preta, espessa, impenetrável, e milimetricamente desenhada sobre maxilares fortes, geométricos. 

Poucos dias depois, do fundo de uma livraria ali perto, podia ver seu tamanho, sua camisa jeans, sua nuca. Ele inclinava-se para a frente, folheava alguns volumes. Fiquei imóvel durante os segundos que ele usou para se virar em minha direção. Os olhos negros como os pelos do rosto, em perfeitas linhas aparadas que desciam até onde começa o pescoço. Ficamos ligeiramente mais lentos, como o segundo Noturno de Chopin, trilha sonora daquela tarde modorrenta. Ele franziu um pouco as sobrancelhas, senti minhas bochechas vermelhas e desviei-me do caminho. Espirrou enquanto eu saía pela porta. 

Na quinta-feira ele tomava um café no bar da esquina. Coçava o rosto enquanto lia uma notícia sobre o aumento do dólar. As unhas se perdiam na barba impecável e eu quase ouvia o ruído. Eu trazia um guarda-chuva que deixei cair enquanto repetia seu gesto, e entrei no carro antes que ele pudesse me ver. 

E sexta. De novo. Já não sabia como aquilo tinha virado uma pequena perseguição. Da mesa central do sebo onde agora estava, vi quando ele entrou, sacudindo um pouco o meu guarda-chuva do dia anterior. Sua camiseta tinha respingos, suas olheiras eram mais evidentes e sua barba imaculada continuava ali, preta, cerrada. Senti que meus batimentos aceleravam ao ritmo da Ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven, como se o local tivesse sido invadido por uma horda de violinos. Quando o primeiro solista tomou conta da música e ele me estendeu o guarda-chuva, meu impulso levou minhas mãos diretamente ao seu rosto. Saímos dali quase românticos, pouco antes do coro e do meu coração explodirem, pouco depois que fechei os olhos e o mundo começou a desaparecer ao redor. 

As minhas unhas estavam bem cortadas, concluí. Arranhões marcavam o interior das minhas coxas. Riscos e traços com resquícios de sangue seco. A potência da língua abafada pela barba cortante. Os pelos afiados do rosto dele. A indecisão de saber o que ele tinha bebido de mim, e se as minhas lágrimas eram de prazer ou de dor. 

Sem fazer nenhum barulho, fui até o banheiro e descobri na primeira gaveta uma navalha. Reluzia. Ao pé da cama, calculei: três respirações dele cabiam dentro de apenas uma minha. Eu murmurava aquele mesmo trecho da Nona Sinfonia enquanto seus pelos iam caindo sobre o travesseiro branco. Minha destreza me espantou. Seu rosto ficava liso e branco. No escuro parecia um vampiro. Em questão de minutos, estava feito: passei os dedos lentamente sobre aquele pedaço de carne exposta, a pela macia, escancarada, a antiga barba espalhada sobre a fronha onde ele dormia. 

Peguei minha bolsa, bati a porta no exato momento em que o último compasso da Nona Sinfonia morria em meus lábios. No elevador, passei as mãos entre as pernas, fechei os olhos e senti: não demoraria a cicatrizar.




* tradução (wikipedia) de um dos versos do poema de Schiller, parte da Ode à Alegria, da Nona Sinfonia de Beethoven. 

domingo, outubro 09, 2011

FAQ


But it’s about reading something while you’re working and your heart is just longing for your project, and the joy of reading this book by somebody else is actually what makes you turn up at the desk the next day in the broader sense, you see. If I can just generate the same feeling in the reader that this writer generated in me then I’ll have succeeded. And that is probably the biggest influence.

Ian McEwan em entrevista a Zadie Smith para a Believer, falando de influências que não se veem em sua prosa.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Tesouros

(ou: do que se encontra dentro de livros comprados em sebos)

(clique nas imagens para ampliar)

1. Pedaço de embalagem da Kopenhagen;
2. Canhoto de bilhete de ônibus para uma  viagem que foi feita na poltrona 8 do dia 13/10/1970, quando empresa tinha acento circunflexo;
3. Etiqueta de lavagem de uma peça cuja composição era 60% algodão, 30% poliamida e 10% elastano;
4. Páginas 45 e 46, por sorte, vieram dentro do próprio livro a que pertencem (ou pertenciam).

Os dois primeiros itens foram encontrados dentro do livro "Virginia Woolf, a commentary", de Bernard Blackstone, de 1949 pela Hogwarth Press, London. Este é o volume verde que aparece na foto, e que foi originalmente comprado na Freitas Bastos, Livraria Editora, então situada no Largo da Carioca. 



O item 3 estava perdido entre as páginas de "Les Fleurs du Mal", de Baudelaire, em edição presentée par Jean-Paul Sartre, pela Livre de Poche Classique e que pertenceu à Zezinha, que o comprou em julho de 1964, sublinhou 2 frases do prefácio e logo abandonou o poema (creio). 



O item 4 foi (felizmente) achado dentro de um exemplar de "Selected Poems, T. S. Eliot", pela Harbrace Paperbound Library.

Alguns dos itens foram trocados por livros que nunca consegui terminar, por culpa única dos autores dos mesmos. A trilha sonora que acompanhou as escolhas variaram de Cake a Chopin (acho). Um sujeito que vestia camisa jeans olhava a mesma mesa que eu, onde encontrei 2 das obras, mas ele não se animou a espirrar em casa. Os livros chegaram à minha biblioteca no final do mês de setembro.

domingo, outubro 02, 2011

O dia em que tomei champanhe com Adriana Lunardi


Sempre tive medo de conhecer autores e dividir com eles frases, mesmo que cumprimentos educados, bom dia ou boa noite. Achava que ter contato com um deles fosse demais pra um leitor. Que não se podiam misturar as ficções, que talvez fosse até proibido. Tinha medo que os livros como eu os conhecia morressem no momento em que descobrisse as vozes, tamanhos e gestos das pessoas que os escreveram.

Consta que meu primeiro contato com Adriana Lunardi se deu em 2008, em Paraty, portanto 3 anos antes do dia em que tomei champanhe com ela. É o que atesta a data abaixo da sua assinatura, um A em forma de estrela a tinta fraca de uma caneta preta que naquela tarde marcou o meu exemplar de Vésperas. No dia em que tomei champanhe com Adriana Lunardi, ela me perguntou se foi simpática comigo aquele dia, e eu não soube dizer. Pensei em forjar alguma lembrança, mas a verdade é que eu jamais poderia mentir para Adriana Lunardi.

Acontece, então, que por uma dessas coisas que desabam na gente, passei a frequentar a casa de Adriana Lunardi uma vez por semana. E diante dela, um mágica ainda maior se operou.

Até o dia em que tomei champanhe com Adriana Lunardi, não entendia como ela podia ser a mesma pessoa de 3 anos antes, e tampouco achava possível que aquela moça magra de mãos pequenas e pousadas sobre um livro de Virginia Woolf fosse a mesma escritora que me assombrava com palavras e frases que só poderiam vir de alguém que não ela. Aquela moça de vestido, e cujas prateleiras amarelas carregavam uma biblioteca onde era possível habitar, aquela moça de voz mansa, de cadência de outono. Eu achava que Adriana Lunardi era duas, que não dava pra existir aquela Adriana que esquentava pães-de-queijo e servia champanhe rosé em taças de vidro dentro da mesma Adriana que inventava aquelas palavras e frases. Que organizar guardanapos era mundano demais pra quem fazia toda aquela literatura. E mesmo comprar flores.

O dia em que tomei champanhe com Adriana Lunardi foi milagroso porque juntei as duas coisas, porque vi como Adriana Lunardi me olhava com olhinhos brilhando, e como esse brilho abraçava as coisas à sua volta. Eu, que achava não ser possível que Adriana Lunardi desse conta dessa vida tão rotineira de que todos nós nos ocupamos, fiquei maravilhada de entender que ela sim, cuidava do seu mundo e inventava outros tantos. 

O dia em que tomei champanhe com Adriana Lunardi ficou marcado no calendário, com caneta especial e estrela no canto da página.