A praia sempre foi imprópria, e tem gente que se horroriza quando você pega emprestada a escova de dentes de um amigo. Quando a gente era criança, não tinha grade de proteção nas janelas. A gente lidava bem com sacadas, varandas, claraboias e afins. A maioria de nós, ao que consta. A gente comia batata Pringles, uma lata atrás da outra, e elas tinham um sabor delicioso de industrialização. Fiquei bem aborrecida com minha última incursão no mundo da Pringles. Junto com a gordura trans, ou o que quer que fosse que significasse veneno, lá se foi toda a gostosura. A gente sempre comeu legumes e frutas com agrotóxicos e morangos gigantescos. O abacaxi bom era o do caminhão que ficava parado na esquina. Com o advento Marcos Palmeira + Hortifruti, os tomates ficaram do tamanho de uvas, a tangerina dá o ano todo e o preço das saladas do Gula Gula ficou proibitivo. Cinto de segurança não era obrigatório (isso sim, uma maluquice) e manicure usava raspas de sabão branco diluídos em água quente pra fazer nossas unhas. Sabor de picolé era chocolate, uva ou côco, sorvete Itália era uma questão de muita sorte, cada um levava seu próprio guarda-sol pra praia, onde não havia cartela de consumação, altinha e nem filtro solar específico pra pele de rostos oleosos: todo mundo usava Sundown e era feliz ao meio-dia na areia.
Os tempos se complicaram de tal forma que a gente trocou os futriques do Orkut por uma opinião no Facebook. A Natalie cantou a bola há uns meses, dizendo que achava tudo chato. Eu curti, porque é o que de melhor fazemos. Eu nem sei se ela pensava em tudo isso quando desabafou, mas minha intuição diz que a preguiça generalizada que a Natalie sentia tem muito a ver com a minha.
Eu tenho saudade do Free Jazz Festival e dos tempos em que colecionava testimonials elogiosos sobre mim mesma. Hoje pra ganhar um polegar levantado hay que suar a camisa, dizer frases de efeito, ter uma visão política bem fundamentada, odiar a Globo, lutar por Belo Monte etc. Ou conhecer vídeos fantásticos e músicas idem. Eu tenho saudade do tempo em que a gente ficava na fila do cinema pra garantir um lugar bom, e eventualmente tinha que sentar longe do coleguinha. Sobretudo, tenho saudade da época em que chovia e esse comentário ficava restrito ao elevador, à avó do seu namorado ou ao vigia da rua. Quando fazia sol a gente telefonava pros amigos e ia dar um mergulho, em vez de ficar postando aos quatro ventos súplicas pra desligar o maçarico. Cá entre nós, a piada nem tem graça. Pra nossa sorte, as pessoas ainda não tem muito o que dizer a respeito de um dia nublado.
Eu não sei quando é que a gente acreditou que tinha tanta coisa a proferir assim, e nem quando resolvemos ter um milhão de amigos virtuais, tampouco sei justificar porque trocamos as comunidades com lasers (e Woody Allen, que sempre nos ligava) e os fotologs por instagrams e ativismo. Tem coisa mais cafona que uma foto da sua geladeira com essa estética 2011? Uma geladeira é uma geladeira é uma geladeira, e precisa bem mais que um iphone pra melhorar seu eletrodoméstico, seu gato, seu pé, seu par de óculos no parapeito da janela (com grade de proteção).
Eu sempre fui ranzinza, isso não mudou. O McDonalds, por mais que venda maçãs e água, sempre será o McDonalds, e não um fraco como a Batata Pringles. O Balada Sucos era bem melhor antes de virar Mix. Todo mundo usava condicionador Neutrox, as pessoas nem pensavam em clarear os dentes e Supra Sumo não tinha esse nome à tôa. Eu gostava mesmo quando a gente mexericava a vida alheia na internet e todo mundo era bem mais legal. Quando a gente queria ter um milhão de amigos mesmo, e não sair por aí deletando as pessoas.
Pra não dizerem que não me adapto aos tempos, deixo aqui meu apelo a São Pedro: por favor, abotoa o céu, deixa o verão chegar, que no mar todo mundo fica quieto. Do contrário, é como disse a Natalie: eu acho tudo muito chato.
4 comentários:
juliet, je t;aime, venha me encontrar no bg agora, junto com nossos um milhão de amigos reais. Louise vai embora amanhã pra ny... Beijo.
Julieta,
Apóio vidros do carro abertos, os que não têm trava de criança, as goteiras de verão; a cuca fresca.
Suas palavras, assino embaixo.
Lhe disse, peço céu abotoado e bordado, assopro as nuvens com um vento daqueles que fazem dançar os cabelos.
Minha praia, rebelde, voltou com um fio de areia depois de longo hiato. Eu estendo a canga, Apareça! Aqui já tem sol e areia.
Façamos castelos.
Com janelas enormes.
bjo
Guarda uma vaga pra mim, Charles, que aí eu me entendo com o despertador. Preciso também de guarda-sol. Hay que manter a palidez.
Em último caso, tem a minha praia, onde tem areia o ano todo, e um monte de kitesurfe no céu!
dedinho para cima!
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