sábado, março 31, 2007

sem título

Preguiça ou solidão, tédio ou ressaca, por alguma razão resolvi passar o dia enfiada na camisola, olhava as formigas que andavam pelo chão e ouvia uma música quase triste que me lembrou você e enquanto eu tentava resolver se devia me lembrar sorrindo ou te odiando bateu um ventinho e eu cochilei.

Quando levantei já era noite e você tinha deixado um bilhetinho, a música tinha mudado. As formigas continuavam por ali, o cachorro me dava a barriga pra fazer carinho e eu segurava o seu bilhete sem entender muito como é que aquilo tinha ido parar ali.

Sua caligrafia torta, tinta azul, uma folha de caderno mal arrancada, fim do disco e sem querer assassinei duas ou três das formiguinhas que iam e vinham num tropeço como uma bêbada esgueirando-me pela parede.

Quando realmente acordei entendi como era fácil que você pudesse consertar tudo em sonho, o disco já acabara há meia hora, a luz da secretária eletrônica indicava um recado que não era o seu e eu não era uma criminosa.

Preguiça ou solidão, tédio ou ressaca, por alguma razão resolvi passar o dia enfiada na cama, o cachorro guardando a porta do meu quarto, as formigas em seu vai-e-vem habitual e eu ouvia a mesma música quase triste que me lembrou você e entendi que eu só podia fazer isso com uma saudade dilacerante.

:: I wish I was in a suitcase on my way back home to you... The Magic Numbers em Which Way to Happy

quinta-feira, março 29, 2007

T.O.C

duas trufas tradicionais, dois pães-de-queijo simples, duas garrafinhas de água sem gás, duas bolhas em cada pé, duas olheiras que aumentam, dois travesseiros, duas músicas que eu quero compôr, duas pastas de trabalho, duas semanas de shopping, duas ilhas pra conquistar, duas amigas que eu quero perto, duas casas, duas unhas quebradas, dois remédios na mochila, duas ressonâncias, dois pés atrás, dois joelhos cansados, duas lentes insuficientes, um par de elásticos, dois pedaços de fruta, duas chaves, dois telefonemas constantes, duas aulas por semana, um par de livros, dois graus de astigmatismo, será?, duas tintas faltando na impressora, dois passos lentos, dois erros, duas listas enviadas por email, duas vontades: é matar ou morrer.

quinta-feira, março 22, 2007

É uma ave no chão

“O problema não é você, sou eu” é a frase que eu mais tenho desejado ouvir e, clichês à parte, a esperança é a última que morre; é impossível subir escadas rolantes sem olhar para as pessoas que descem na escada ao lado e vice-versa; a capacidade de fazer baliza é inversamente proporcional ao tamanho da vaga; natação é a próxima tentativa e a grande questão é como ficar decente dentro de uma touca; 1/3 da vida dormindo, 1/3 dirigindo e 1/3 tentando; “ ‘não entender’ era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado.” na página 43 eu me apaixonei definitivamente por Clarice Lispector; achar o carro no estacionamento do shopping Leblon é tarefa árdua o bastante pra tirar o bom-humor; o shopping Leblon, por si só cumpre bem esse papel: para ir à administração do shopping você passa, ora veja, pelo estacionamento, não faz sentido algum; a vontade de comer crayons ataca toda vez que os vejo coloridos e enfileirados; para uns, “ralação” está exclusivamente ligada à capacidade que a pessoa tem de carregar sacolas, manequins e afins, bem como de ouvir grosseria o dia todo; ortopedista novo é o suficiente pra você se iludir outra vez só para então constatar que a medicina ainda não achou solução legal pro seu caso e sim, você terá que encarar toda aquela chatice; tylenol é tão tão tão bom que eu desconfio que haja alguma substância anti-depressiva em sua fórmula; o Parque Lage é um dos lugares mais quentes do mundo; lá vem as águas de março e o que me anima mesmo é a promessa de vida; alguém tem que avisar a esses seres de cabelo esquisito que mullets não é cool, é só horrendo; eu sou art-nouveau, dê uma olhada nas figuras do Schiele (e do Klimt) e lá estou eu; eu costumo errar a verificação de palavras que os blogs pedem quando deixo comentários, o que me desanima às vezes; o melhor de Marie Antoinette, o filme, é a trilha sonora e quando você a escuta sem ver o filme ela fica ainda melhor; Marie Antoinette até o começo do mês era apenas a rainha que havia inspirado Sofia Coppola e de repente essa mulher virou uma perseguição; noite de sábado vendo curtas com os amigos e a gente tentando achar uma solução, noite de quarta a caminho do curso com amiga e a gente tentando achar uma solução, noite de terça no bar com amiga e a gente tentando achar alguma solução, quando foi que todo mundo entrou em crise?; parece letra de Belchior e a música fica repetindo na cabeça eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens mas também pode ser aquela do Renato vamos sair mas não temos mais dinheiro, os meus amigos todos estão procurando emprego e haverá sempre o otimista insuportável que vai dizer que é um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão e prefiro crer que é um pouco sozinho; é possível abastecer o carro na Zona Sul?; e Wikipedia, é possível viver sem Wikipedia?; havia vida antes de Targus?; e The Magic Numbers, é possível não ouvi-los?; o bom de voltar a estudar é que você pode dar a incrível sorte de ter aula com um cara fabuloso e esse cara pode te abrir os olhos e até mesmo arregalar seus olhos e de repente tudo aquilo que você sabia cai por terra e você tem a oportunidade de pensar tudo de novo e optar por deixar as coisas como estão ou pegar o caminho mais longo e a música dessa vez é Candeia: deixe-me ir, preciso andar.



sexta-feira, março 16, 2007

Shadowboxer

Todo esse tempo foi como um duelo imaginário que eu travei pra dar sentido às coisas que você jamais me explicou. Foi uma luta de forças que eu inventei pra me distrair porque não houve nenhuma resposta à minha simples questão que você ignorou categoricamente. Nisso você caprichou: foi o meu melhor fora não dado, o meu melhor sono perdido e a minha melhor perturbação durante dias a fio. Você foi a melhor desculpa que eu achei pra não me apaixonar de novo por qualquer pessoa e também foi a promessa que eu me auto-impus de jamais me deixar capturar de novo por jogos parecidos com o seu, principalmente o seu. Você foi a melhor pessoa pra decidir tudo por nós dois de forma egoísta e todo esse tempo foi como um exercício de esquecimento, de tentar desesperadamente apagar qualquer resquício que você possa ter deixado. Você foi o maior responsável pela minha decisão tão certa de agir com um mínimo de sanidade e todo esse tempo foi como se a minha saúde mental tivesse sido definida quase que exclusivamente por causa da sua partida e por isso eu nunca fui à sua procura. Você foi a reticência mais longa e arbitrária que me atropelou de surpresa e todo esse tempo foi como um tempo em suspenso em que eu desenvolvi uma máscara protetora capaz de convencer qualquer pessoa de que você tinha sido apenas um acidente de percurso em vez de uma perseguição que me atormentava à ligeira menção do seu nome. Você foi a melhor fuga que eu testemunhei e que eu quis apelidar de tal forma pelo simples pavor de encarar a verdade inalienável de que você, de fato, não presta. Você foi a minha melhor invenção de tantas noites porque você foi a melhor coisa que não se concretizou e portanto tornou-se o mais cativante personagem da minha alucinação particular. Você foi a minha melhor decepção e a que eu mais quis proteger, para a que eu mais procurei subterfúgios e desculpas e por sua causa eu tentei de todas as formas crer que havia um sentido oculto e que você devia estar tão dilacerado quanto eu me sentia e eu precisei desenvolver essa fé dia a dia. Você foi o meu pesadelo mais constante e todo esse tempo que você me deu sem mesmo eu opinar se queria ou não, todo esse tempo que não nos cruzamos uma só vez, todo esse tempo de uma obstinação cega de te expulsar de mim por completo, todo esse tempo de uma sede insaciável que eu tive de te ter de novo, todo esse tempo em que eu queria tanto te encontrar pra que você pudesse ter se transformado em você mesmo mas sem a confusão que até hoje eu não sei exatamente qual foi, todo esse tempo foi você que armou e quis e você foi a perseguição mais insistente da qual eu tentei desesperadamente me libertar e depois de todo esse tempo e de quase, quase mesmo conseguir achar que foi melhor assim e que talvez só pudesse ter sido assim, depois disso tudo, depois de você ter me arruinado completa e totalmente você aparece e em trinta segundos...

:: But oh it's so evil, my love, the way you've no reverence to my concern. So I'll be sure to stay wary of you, love, to save the pain of once my flame and twice my burn. (Fiona Apple na música que dá título ao post.)

domingo, março 11, 2007

Alá meu bom Alá

Borrachas e lápis são os objetos mais duradouros que existem. Pense em quantos desses você já viu chegarem ao fim e verá que lápis e borrachas parecem não acabar nunca. São como as minhas idas ao Saara. A diferença sutil entre esses dois exemplos é que ir ao Saara, concluo, é karma enquanto que borrachas e lápis são apenas intermináveis (eu não me atreveria a elevar a condição desses utensílios a karma).

O Saara entrou mais uma vez em minha vida numa manhã de quarta-feira e eu desconfio que a minha sina, karma, chame do que preferir, é andar pelas ruas estreitas mais cheias da cidade. No verão.

35 metros de acrilon, 2 tubos de hair spray, 12 tintas de tingimento, 2 tubos de cola prego, cerca de 100 metros de fitas de veludo, uns 200 metros de fitas de organza, flores de massa, 40 metros de arame, tesouras de picote, 30 carretéis de linhas para pesponto, tudo isso eu comprei e mais um monte de itens que iam de fita dupla-face a fibra de cabelo para fazer perucas dos tempos de rainhas. Tudo isso porque uma coleguinha, sabendo do meu ócio demasiadamente prolongado, me recrutou para a missão de ajudar na produção da exposição sobre Maria Antonieta, portanto esse tem sido meu trabalho: comprar trecos e coisas que só encontramos no mercado popular ou nas cercanias. Calor e sacolas à parte (e bolhas nos pés, que ficam pretos ao longo do dia), há diversão no fim do túnel.

Meu top 3. Os anúncios da rádio Saara são impagáveis, essa talvez seja a minha melhor distração. As idéias e vozes e slogans que saem das caixas de som são melhores do que qualquer spot de FM feito por estudantes da ESPM. As lojas de cabelo humano. Elas ficam no comecinho da Sete de Setembro e na Praça Tiradentes onde há mocinhas posicionadas pra te oferecer cabelo e mão-de-obra quando você passa. Confesso que fiquei tentada, já me imaginava ruiva com um cabelão liso ou com os cabelos loiros e anelados, as lojas de cabelo são quase tão lúdicas quanto o Carnaval. Por fim, as Igrejas. A da Avenida passos ocupa a primeira posição no meu ranking, seguida de uma bem mais modesta cuja localização exata me escapa. A Igreja da Passos é de uma beleza impressionante enquanto que a menorzinha, também bonita, me ganhou quando li os bilhetes deixados pelos fiéis em um dos altares. Eram muitos bilhetes repletos de erros ortográficos, todos de gente humilde e crente na religião, uma fé latente que chegou a me comover.

Depois de quatro dias de andanças no Saara mais uma missão derretedora me foi dada: tingir veludo. Depois de quatro dias de Saara e cerca de 8 horas no fogão tingindo eu comecei a achar que essa história de trabalho é muito perigosa e agora terei mais cuidado ao querer e pedir coisas em voz alta. Amanhã tem mais, e até quinta-feira deve ser assim. Quando tudo ficar lindo e pronto eu vou esquecer que quase morri de calor e só o que vai ficar vai ser mais uma vez a sensação de dever cumprido e certeza de que estou mais que preparada para o aquecimento global. Quando tudo ficar lindo e pronto eu vou estar tão torta com dor nas costas que vou precisar de um dia inteiro de massagem e mais um dia inteiro de sauna e mais um dia inteiro de natação (ahãm) e mais um dia inteiro de paracetamol na veia. Quando tudo ficar lindo e pronto e eu chegar em casa e concluir que essa loucura vale à pena eu vou pingar 30 gotinhas de tylenol, ligar o ar-condicionado e me conformar com o fato de que o Saara é dessas coisas que não terminam nunca.

terça-feira, março 06, 2007

Sobre ser mãe

Aquecimento global, crimes brutais, falta de bolinhas-de-queijo, previsões alarmistas sobre a falta d’água potável, internet wireless, cinema a dezoito reais, fila no consulado americano pra visto que será provavelmente negado, homens que não ligam no dia seguinte, falta de verba pro cinema nacional, contentamento em sentar-se no Diagonal porque o Jobi vive cheio, trânsito caótico, RH que não liga nunca, roupas na Maria Bonita a preços indecentes, mercado de trabalho saturado, falta de espaço pra exibição de curtas, salários fictícios, spams, falta de grana pra sair de casa, Farminização (da loja Farm, não da Rua GLS), multidão nos blocos de carnaval, perda de fãs no orkut, praia lotada e outros temas fizeram parte de recentes conversas sobre o que nos aflige. Chegamos à conclusão que botar mais gente nesse mundo é um ato insano. Eu já sabia disso e finalmente ganhei adeptos.

Foi no meio de uma conversa com amigas que uma delas afiliou-se à minha causa. Ela queria ter três filhos mas confessou que já pensa em ter um só. Foi mais radical: pensa em adotar o único filho. Do Camboja. Quando este completar 18 anos e quiser conhecer seu país de origem ela lhe dará apenas a passagem de ida.

Desenvolvendo o assunto e pensando que a maternidade pode ser uma experiência incrível concluí que só vale a pena povoar o mundo com filhos se você puder garantir que no futuro ele seja (e se puder ser tudo ao mesmo tempo é ainda mais vantajoso) evangélico, dono de botequim, grafiteiro, economista ou gay. Isso não o impedirá de desmilingüir-se quando no inverno ele enfrentar temperaturas de 35 graus. Ao menos ele será bem-sucedido o suficiente pra sair da casa dos pais, fazer um curso em Paris e comprar uma cadeira Barcelona sem ter de gastar todas as folhas do talão de cheques. Além disso, é menos uma aflição pra nós, que não teremos de nos preocupar com o destino que nosso filho tomará. Vai por mim. Filho gay e evangélico ou adote um cachorro da Suípa.

segunda-feira, março 05, 2007

Sobre como a Globo me fez chorar (por duas semanas seguidas)

Muitos são os dilemas da minha atribulada vida, dentre eles o principal é o eterno confronto entre praia e piscina. A piscina vence quando a preguiça é muita e a praia quando a consciência pesa, donde conclui-se que a segunda opção devia ganhar sempre visto que preguiça em demasia causa dor de consciência. Seria assim, mas depois de tanto tempo de inércia os critérios vão pro brejo e você se apega ao que está mais próximo do seu alcance.

Foi por essa e outras que acabei acompanhando os últimos capítulos da novela do horário nobre. Assistir novela quando ela está com seus dias contados é batata e sendo o autor o Manoel Carlos, pronto, está aí a cena. Sofá, controle na mão e de repente a mãe da Gabi morre tragicamente num incêndio de ônibus, o Renato finalmente fica com a Isabel, a Nanda aparece pros filhos e o Alex consegue a guarda do Francisco. Sim, eu chorei e não foi só uma vez. Sim, senti-me um pouco idiota, bastante até e repensei uma série de conceitos, achei que essa história de chorar em novelas era dramático demais até pra mim, além de ser um bocado cafona. Mas pior do que esse episódio foi outro que ocorrera semana antes e eu deveria ter vergonha, mas diante dos meus dias tão intensos e promissores eu resolvi achar graça: chorei com o paredão do Big Brother. Tem salvação?

quinta-feira, março 01, 2007

a arte de viver da fé

A auto-escola foi pra mim uma evolução de “isso é impossível”. A frase adquiriu motivos diferentes com o passar das aulas, mas esteve presente durante o começo do meu aprendizado. Primeiro era a troca de marchas, depois a baliza e por último subir o Alto da Boa Vista em dia de chuva. Eu acreditava piamente que seria impossível dirigir sem bater em outros veículos ou em postes, árvores e até mesmo atropelar pessoas. Dirigir me parecia uma tarefa árdua que aos poucos foi se revelando tão fácil que o meu julgamento sobre a impossibilidade mudou completamente: era impossível que algumas pessoas dirigissem tão horrivelmente mal.

O mesmo ocorreu com wings. Wings era o passo mais improvável de ser realizado pelas minhas pernas e pés nas aulas de sapateado. Era um fato pra mim que eu quebraria ambos os pés em fratura exposta, no mínimo uma torção que me deixaria dois meses sem pisar. Passadas duas ou três semanas o wings atingiu o status de flap e eu podia faze-lo com as duas pernas e até mesmo em uma perna só. Fazer wings nunca me deu nem calos.

Com o CPE foi bem parecido. Essa é uma das mais difíceis (e inúteis, hoje sei) provas de Cambridge. Do tipo de prova que o sujeito tem de saber a diferença entre glare, glance e gaze além de ter de usar termos como nevertheless e hence em uma carta imaginária formal ao seu vizinho comunicando-lhe as novas leis de segurança predial. Haha, eu pensava. Passei com o conceito C, o mínimo que se deve tirar pra ser aprovado e concluí que o CPE não era tão inatingível assim.

As sessões de RPG também me deixaram incrédula no início. Eu achava impossível que a pessoa deixasse de sentir dores nas costas depois de passar uma hora fazendo 4 ou 5 posturas onde em cada uma dessas você não faz mais do que respirar. Passados seis meses, fui vencida pela técnica quase imóvel e melhorei 70 por cento da coluna.

Com o tempo eu descobri como tantas dessas e outras coisas eram possíveis e no fim das contas o que eu não consegui de fato fazer foi um desenho decente na aula de modelo vivo. E seqüência de frapê de ballet aceitável (se o ballet fosse como o CPE minha nota não seria satisfatória).

A bola da vez é trabalho. Será possível arranjar emprego ou isso é tarefa pra Nijinsky?