Borrachas e lápis são os objetos mais duradouros que existem. Pense em quantos desses você já viu chegarem ao fim e verá que lápis e borrachas parecem não acabar nunca. São como as minhas idas ao Saara. A diferença sutil entre esses dois exemplos é que ir ao Saara, concluo, é karma enquanto que borrachas e lápis são apenas intermináveis (eu não me atreveria a elevar a condição desses utensílios a karma).
O Saara entrou mais uma vez em minha vida numa manhã de quarta-feira e eu desconfio que a minha sina, karma, chame do que preferir, é andar pelas ruas estreitas mais cheias da cidade. No verão.
35 metros de acrilon, 2 tubos de hair spray, 12 tintas de tingimento, 2 tubos de cola prego, cerca de 100 metros de fitas de veludo, uns 200 metros de fitas de organza, flores de massa, 40 metros de arame, tesouras de picote, 30 carretéis de linhas para pesponto, tudo isso eu comprei e mais um monte de itens que iam de fita dupla-face a fibra de cabelo para fazer perucas dos tempos de rainhas. Tudo isso porque uma coleguinha, sabendo do meu ócio demasiadamente prolongado, me recrutou para a missão de ajudar na produção da exposição sobre Maria Antonieta, portanto esse tem sido meu trabalho: comprar trecos e coisas que só encontramos no mercado popular ou nas cercanias. Calor e sacolas à parte (e bolhas nos pés, que ficam pretos ao longo do dia), há diversão no fim do túnel.
Meu top 3. Os anúncios da rádio Saara são impagáveis, essa talvez seja a minha melhor distração. As idéias e vozes e slogans que saem das caixas de som são melhores do que qualquer spot de FM feito por estudantes da ESPM. As lojas de cabelo humano. Elas ficam no comecinho da Sete de Setembro e na Praça Tiradentes onde há mocinhas posicionadas pra te oferecer cabelo e mão-de-obra quando você passa. Confesso que fiquei tentada, já me imaginava ruiva com um cabelão liso ou com os cabelos loiros e anelados, as lojas de cabelo são quase tão lúdicas quanto o Carnaval. Por fim, as Igrejas. A da Avenida passos ocupa a primeira posição no meu ranking, seguida de uma bem mais modesta cuja localização exata me escapa. A Igreja da Passos é de uma beleza impressionante enquanto que a menorzinha, também bonita, me ganhou quando li os bilhetes deixados pelos fiéis em um dos altares. Eram muitos bilhetes repletos de erros ortográficos, todos de gente humilde e crente na religião, uma fé latente que chegou a me comover.
Depois de quatro dias de andanças no Saara mais uma missão derretedora me foi dada: tingir veludo. Depois de quatro dias de Saara e cerca de 8 horas no fogão tingindo eu comecei a achar que essa história de trabalho é muito perigosa e agora terei mais cuidado ao querer e pedir coisas em voz alta. Amanhã tem mais, e até quinta-feira deve ser assim. Quando tudo ficar lindo e pronto eu vou esquecer que quase morri de calor e só o que vai ficar vai ser mais uma vez a sensação de dever cumprido e certeza de que estou mais que preparada para o aquecimento global. Quando tudo ficar lindo e pronto eu vou estar tão torta com dor nas costas que vou precisar de um dia inteiro de massagem e mais um dia inteiro de sauna e mais um dia inteiro de natação (ahãm) e mais um dia inteiro de paracetamol na veia. Quando tudo ficar lindo e pronto e eu chegar em casa e concluir que essa loucura vale à pena eu vou pingar 30 gotinhas de tylenol, ligar o ar-condicionado e me conformar com o fato de que o Saara é dessas coisas que não terminam nunca.
4 comentários:
Calma, amiga, um dia vc vai ter uma assistente-Saara. Ou eles fundam um call-center.
Estar pronta para o aquecimento global é mto bom Honey !!!
darling, tudo pela Marie Antoinette!!!!!!
e eu que tive que separar 'livros que a maria antonieta leria' (???) pra essa mesma exposição.
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